Opinião
[732.] Publicidade na internet
A marca coloca o seu vídeo publicitário no YouTube e vê-o conspurcado por outros anúncios, como um de Renault Koleos com um de Prosegur por cima. Se isto não é irracional, não sei o que é a loucura.
"Um cavalo, um cavalo! O meu reino por um cavalo!" O desespero do Ricardo III de Shakespeare traduz-se hoje, entre os publicitários, pelo desejo de uma dose cavalar de cliques e "likes".
A mania não é apenas dos publicitários, mas de quase toda a gente que está na internet, desde os desconhecidos que nos pedem por mensagem privada para colocarmos um "like" na sua página ou na dos filhos até todas as empresas que precisam da rede para incrementar a actividade. A solidão é deprimente para indivíduos e instituições - e chegar ao fim do mês com poucos "page views" ou "likes" não ajuda à auto-estima ou ao negócio.
No caso da publicidade, o que é preciso, mais do que provar o contacto com o conteúdo dos anúncios, é provar o número de contactos. Isso implica uma mudança de foco do conteúdo dos anúncios para o velho problema de sempre dos media, a distribuição. Com a internet, a tarefa parece facilitada: quanto maior o número de locais onde anunciar, mais se potencia o contacto. Qualquer que seja a qualidade do anúncio.
O tsunami de anúncios na internet é avassalador. Queixavam-se milhões de pessoas - qual quê?!, centenas de milhões! - dos intervalos televisivos, longos e interrompendo os programas. Ainda assim é, mas com uma lógica de interrupção integrada nos programas. A televisão anuncia os intervalos, quer nos programas em directo quer nos gravados, como se fosse ao vivo. A sua localização tem lógica. Mesmo os telefilmes e os teledocumentários estão montados de forma a prever intervalos. Agora? É o que vejo nos "players" dos canais: publicidade antes, que não se pode saltar; e no meio, metida à facada, a cada dez minutos, mesmo que interrompa uma palavra dalguma personagem ou protagonista. No YouTube, além dos anúncios que se pode saltar ao fim de uns segundos, há anúncios… que não se pode saltar ao fim de alguns segundos; e a maioria dos conteúdos é devassada com anúncios sobrepostos, ora no topo, ora em rodapé. Sim, pode fechar-se este último tipo de anúncio, mas a fruição do conteúdo já foi interrompida. E se não se fecha, ele lá fica até ao fim, tapando o conteúdo visual. Esta sobreposição chega ao absurdo de aparecer em conteúdos do YouTube que são eles mesmos anúncios! A marca coloca o seu vídeo publicitário no YouTube e vê-o conspurcado por outros anúncios, como um de Renault Koleos com um de Prosegur por cima. Se isto não é irracional, não sei o que é a loucura.
Há depois os "banners" e outros tipos de publicidade. Nos media jornalísticos aparecem antes do conteúdo que se pretende ler. Espera-se que desapareça. É o menos intrusivo, a seguir aos que aparecem ao lado, por baixo, por cima ou no final do próprio conteúdo. Mas também surgem vídeos com um pequeno ecrã, uma janela dentro da janela, que abre e fecha. Será que os outros leitores prestam atenção a esse conteúdos? Eu não. Mas, lá está, contei para as métricas! O anunciante pagou o reclame, o leitor não lhe ligou.
Estes são alguns tipos de publicidade actual, muito mais intrusiva do que a televisiva. E, mesmo assim, causam menos danos do que a insinuante mistura de informação e publicidade em conteúdos, "patrocinados" ou nem isso, misturada que foge da ética como o diabo da cruz, como escrevi no n.º 712 desta coluna.
Quando a quantidade de contactos conta mais do que o conteúdo, o conteúdo sofre. A esmagadora maioria dos anúncios que se me impõem na internet são de uma pobreza constrangedora. Sem interesse, sem rasgo, sem criatividade, sem poder de atracção. Esperemos que chegue o dia em que anunciantes e consumidores pressionem no sentido de a selva se organizar e se embelezar.