Opinião
[613.] BMW, Citroën
Era uma vez umas crianças que iam assistir a um jogo. Quem as levava era o pai. Mas o pai, ao invés de ir directo ao local, foi dar umas voltas no carro e acabaram por chegar atrasados ao jogo. É este o improvável argumento dum anúncio da presente campanha de automóveis BMW.
O texto de acesso ao anúncio inventa este pedaço de narrativa para chamar a atenção dos pais de família para os dois argumentos de venda: o BMW Série 2 Gran Tourer é um carro familiar "além de ser um BMW". Não há grande novidade nesta táctica publicitária, é o velho "dois em um". O que surpreende é o storytelling infantilizante, invulgar nos anúncios desta e de outras marcas de topo da indústria automobilística. Em geral, as narrativas neste tipo de produtos são mais generalistas e invocam ideias de "sublime", "superioridade", "qualidade", etc. Desta feita, a marca desceu à insignificância da história dum pai entusiasmado com o carro que se atrasa na tarefa familiar.
É visível que a BMW quer aqui abandonar a imagem em exclusivo de "prestígio", "classe", "preço alto", etc., por pretender alargar o público-alvo, mas não era preciso fazer desse público-alvo uns totós que se deixam levar por um narrativa infantilóide.
Outro anúncio do mesmo modelo da marca transfere para os filhos o prazer de estar dentro do carro: "Agora já querem todos ir às compras com a mãe". De novo se junta o dois em um: "num só automóvel", o "veículo familiar" e o "prazer de condução".
Façamos agora nós um dois em um, reunindo ambos os anúncios. O par visa marido e mulher, como seria desnecessário referir, mas vem a propósito porque temos de chamar a atenção da nossa militante secretária de Estado Teresa Morais, a tal governante que viu degradação da mulher num anúncio comum da CGD. Ela verá decerto um gritante caso de sexismo e machismo neste storytelling da BMW que põe o pai levando os filhos ao jogo, pai e filhos com opinião sobre o carro e a mãe indo às compras e sem opinião. Para pessoas comuns, fará sentido, mas não para militantes que se embrenham no seu próprio fanatismo. A BMW quer vender um carro familiar… a famílias e, portanto, recorre a estereótipos comuns, como o do pai que leva os filhos ao jogo e da mãe que vai às compras. O que seria necessário explicar aos fanáticos é que os estereótipos não são, por natureza, errados na factualidade a que se referem, e é precisamente por isso que funcionam geralmente de cima a baixo na sociedade que percorrem. Isto é, a maioria dos estereótipos estão de acordo com a realidade que retratam. Se essa realidade é condenável ou o retrato é condenável, isso já é outra coisa. Umas vezes sim, outras não.
Voltemos ao storytelling da BMW: basicamente, transmite uma outra mensagem, que encontramos também no actual reclame do novo Citroën C4 Cactus: o destino de viagem já não interessa, estar ao volante já parece menos importante, a velocidade desaparece da lista dos ideais, o que conta é o gozo de estar dentro do carro. Muitos anúncios automóveis começaram a sugerir-nos que o carro é como uma segunda casa, tem de ser cómodo e com todas as funcionalidades duma casa (quando chegaremos ao micro ondas no porta-luvas?).
O Citroën Cactus, por exemplo, promete, como os políticos, "tornar a sua vida melhor", neste caso com "prazer e conforto". A promessa aparece no título publicitário mais "hello?!" dos últimos tempos: "Dê mais bora lá ao seu vamos andando". Eu podia analisá-lo em profundidade, mas custa-me muito. Isto da crítica às vezes não vai lá com mais bora lá, tem de ser só um bocado de vamos andando. E vou mesmo.