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[535.] Generali, Vinho Verde

Num estilo bem mais ligeiro, como convém ao produto, o Vinho Verde também enfrenta a crise: "Há quem puxe pelo país", diz o slogan e, bem próximo da palavra "puxe" está um gargalo de garrafa de verde com o saca-rolhas já a puxar a dita.

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A crise económica continua um tema em anúncios actuais, como acontece no reclame televisivo da companhia de seguros Generali protagonizado o actor Joaquim de Almeida. 


O actor foi inserido em imagens antigas, como se fizesse parte delas. Os publicitários escolheram momentos de grandes crises mundiais, excepto a respeito do ano de 1831, data de fundação da seguradora, mas mesmo este é ilustrado com o afundamento de um navio. Seguem-se a I Guerra Mundial, a Grande Depressão de 1929, a II Guerra Mundial e a Queda do Muro de Berlim. A narrativa inscreve a Generali na História e sugere a necessidade de seguros contra a adversidade em momentos difíceis. Em cada momento, Almeida refere um facto sobre a Generali e termina dizendo "não foi um filme, foi real", ou apenas "foi real". A realidade das crises e da necessidade de seguros fica assim expressa seis vezes nos 45 segundos do reclame. O anúncio termina com o actor dizendo "Porque a vida não é um filme", ecoando o remate do segmento inicial sobre 1831: "Não foi um filme, foi real." A terminar, o fundo do ecrã cria uma relação indirecta entre as referências aos momentos históricos dramáticos e a crise actual: "Se vencemos as grandes crises, vencemos as suas."

Esta frase não é, porém, lida pelo actor. Tal como faz um fundo do ecrã, a frase faz também de fundo do não-dito, do apenas sugerido. O anúncio está construído de modo a passar ao espectador uma mensagem subliminar: não falemos das suas crises, que o podem colocar numa situação desconfortável, falemos antes das crises gerais do mundo. A referência às crises dos espectadores é ocultada a ponto de o próprio slogan retirar a palavra quando ela se lhes refere: diz "vencemos as suas", sem dizer "as suas crises".

De tal modo se quis evitar o confronto do espectador com as suas próprias situações de crise, que o anúncio tem uma dupla natureza: é interpretado por um actor bem conhecido, coloca-o digitalmente em filmes antigos, como se tem feito no cinema (Zelig, Forrest Gump), é ele mesmo um filme, mas nega esse carácter do princípio ao fim, "porque a vida não é um filme". O anúncio representa exemplarmente a natureza dupla da publicidade, quando pretende ancorar-se na realidade e em simultâneo recorre à ficção para o fazer.

Em resumo, bem concebido e realizado, é um filme de ficção sobre realidades que dizem que a vida (a realidade) não é um filme (uma ficção), sendo este conceito transmitido num filme publicitário por um actor de filmes de ficção. Para enfrentar a realidade, o espectador, nomeadamente o que passa por crises, deve convencer-se que filme há só um, o publicitário, e que a vida real implica o recurso a uma seguradora antiga e presente em todo o mundo.

Num estilo bem mais ligeiro, como convém ao produto, o Vinho Verde também enfrenta a crise: "Há quem puxe pelo país", diz o slogan e, bem próximo da palavra "puxe" está um gargalo de garrafa de verde com o saca-rolhas já a puxar a dita. O texto em baixo explica que "as exportações de Vinho Verde representam um negócio de 42 milhões de euros/ano para a economia portuguesa." Em baixo, uma fotografia de um vinhedo no Minho. Em cima, um casal jovem ri-se para nós. A metáfora é simples: o vinho verde puxa pela economia e você, leitor, faça como o casalinho, que já se está rindo, e puxe pela rolha. No site www.vinhoverde.pt, com a possibilidade de interacção, o espectador é convidado a tirar virtualmente a rolha da garrafa. No anúncio de imprensa, os dois copos estão do lado direito da garrafa, já prontos a fechar a narrativa.

eduardocintratorres@gmail.com

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