Opinião
[491.] Anúncios de relógios
O de Longines, com uma magnífica Kate Winslet a preto e branco, cumpre o slogan "A elegância é uma atitude". Menos bem está o dessa marca com André Agassi, mas a causa social anunciada compensa a composição estética menos conseguida
O Natal traz consigo muitos anúncios de relógios de pulso. Ainda bem. Quem resiste a uma página de fundo negro com um enorme mostrador de um relógio Ulysse Nardin, também ele de fundo negro? E o mesmo dispositivo visual num anúncio de um relógio Gucci? Mais houvesse. E não é que há mesmo?
Girard-Perregaux, Montblanc, Blancpain... todos em formato gigante em fundo negro que continua para o mostrador, interrompido apenas, nalguns, pelo dourado do aro redondo, forma perfeita. Até a Swatch, para mostrar que já não é barata, mostra um relógio dourado com brilhantes, também de mostrador negro, também em fundo negro.
Quanto mais austeros os anúncios de relógios, mais eficazes. O fundo vazio, para realçar o enorme mostrador, visto maior do que alguma vez o veremos ao vivo. Quem não distingue mecanismos e até desconfia de que todos os relógios anunciados são bons, é isso que compra: a beleza do mostrador, a possibilidade de exibi-la no pulso. O Gucci convida a exibir com exuberância a própria marca: tem um aro dourado em forma de G, e outro ainda, negro, e na posição inversa.
No anúncio do modelo Piaget Altiplano, o fundo negro é compensado com uma aura azul em torno do relógio, para acentuar a sua espessura de relógio "mais plano do mundo". Já no reclame dos relógios Franck Muller o mostrador aparece tão excessivamente grande que transborda as margens da página.
Serão tão eficazes os reclames que recorrem a famosos e celebridades? O de Longines, com uma magnífica Kate Winslet a preto e branco, cumpre o slogan "A elegância é uma atitude". Menos bem está o dessa marca com André Agassi, mas a causa social anunciada compensa a composição estética menos conseguida. O de Tag Heuer, com Cameron Diaz, é bonito, mas não resulta tão bem como o de Winslet. Recorre, entretanto, a um truque bem achado para não mostrar o relógio na posição errada para o observador: a actriz trá-lo nos dedos da mão direita colocada sobre o coração, para ao mesmo tempo mostrar a sua dedicação ao trabalho para as Nações Unidas e o relógio direitinho para quem vê a foto.
O Bretling substituiu John Travolta, entretanto com má fama nas revistas de celebridades, por David Beckham, apesar de não se conhecerem os dotes de aviador do futebolista. Sem problema: a retórica faz o resto. Se Travolta usava Bretling por ser aviador, agora Bekham usa-o por ser um "relógio de viagem por excelência" para "viajantes de classe mundial". Aviador, Travolta pousava orgulhoso em frente de um avião, como piloto. Beckham aparece antes como a celebridade que acabou de sair de um jacto particular. Já no anúncio de TW Steel, um carro de Fórmula 1 toma o lugar de uma celebridade. Mas é a mesma coisa: prestígio, homem de acção e sucesso.
O anúncio dos relógios Cuervos y Sobrinos consegue um milagre a que a publicidade sempre almeja: juntar duas realidades opostas fazendo disso uma maravilha. No caso, a precisão suíça é associada ao carácter latino: "O único relógio suíço de gama alta com uma autêntica tradição latina".
As traduções dos slogans causam embaraços a anunciantes de relógios. O reclame de Police mostra quatro jovens adultos a preto e branco, mas com óculos escuros azuis, todos iguais. O slogan da marca diz às pessoas para sempre iguais às outras, mas pensando que são únicos: "Be younique". Os quatro da fotografia já estão decerto entre os conformistas que pensam ser únicos. Num canto do anúncio a tradução é "Sê único", porque em português não poderia ser "Sê túnico"...
Já os publicitários dos relógios Parmigniani preferiram não traduzir para português o título "Mesure et Démesure", que em português ficaria feiote, do género "Exacto e extraordinário". Mas fica mal, numa revista portuguesa, terem traduzido do francês para inglês no canto da página.