Quando Portugal (exagero) ainda estava a ressacar com a prosa (eufemismo) do Presidente da República, no seu Roteiros VIII - onde assume que Portugal vai ter austeridade até 2035, altura em que pagará 75% do empréstimo da troika -, eis que surge o Manifesto dos 70. O nome, apesar de soar a mais uma associação de pensionistas ou a mais uma festa de tios em Cascais, na realidade, é uma alternativa.

Francisco Louçã, Carvalho da Silva, João Cravinho, João Galamba, Manuela Ferreira Leite, Freitas do Amaral, Bagão Félix, Adriano Moreira - e dois consultores do Presidente da República, Sevinate Pinto e Vítor Martins - subscreveram um Manifesto a Favor da Reestruturação da Dívida Portuguesa. O Manifesto dos 70, assinado por gente da direita à esquerda, e o Freitas do Amaral. O Manifesto dos 70 - como os Dálmatas, diria Cavaco Silva. Até alguém lhe dizer - são 101, senhor Presidente. - Isso são os ladrões do Ali Babá - responde Aníbal. E por aí fora, até chegar às mil e uma anãs da Branca de Neve.

Diz o manifesto que, afinal, parece que não há só uma saída e que a Manuela não vai mais lá a casa. "Deixemo-nos de inconsequentes optimismos: sem a reestruturação da dívida pública, não será possível libertar e canalizar recursos minimamente suficientes a favor do crescimento", assina a sétima cavalaria cavaquista, como que dizendo, a Cavaco, que não faz sentido fazer um consenso à volta de uma ideia sem senso.

Tudo isto é demasiado estranho. Cavaco, aproveitando uma destas noites de trovões, chuva, relâmpagos e alertas vermelhos para a toda a costa, abre o seu Roteiros VIII e, com uma pena oferecida pelo Rei de Espanha, pinta um quadro de horror, para o país, para os próximos 25 anos, terminando com um apelo à união de todos para que seja possível, no melhor dos cenários, e com muito esforço, atingir este não futuro. Pensar que, em tempos, Cavaco acusou outros de masoquismo, e que agora quer que sejamos todos... Não quero ser indelicado, mas este plano é de quem não pensa estar cá mais quinze anos. Só pode soar bem a quem pensa que se vai pirar a meio. Vamos todos unir esforços com o objectivo de..., em 3500, podermos ter menos desemprego do que em Andrómeda, um sexto da população de Plutão, e fama de bons pagadores no espaço sideral.

O Manifesto dos 70 "é a tarântula em cima do bolo de noiva" do discurso oficial de uma só via. Soaram os alarmes no universo ficcional da sustentabilidade da dívida. Alguns analistas, mais conotados com o pensamento do Governo, vieram alertar para a inconsciência dos que querem uma reestruturação, a escassos dois meses de ficar sem "a rede de segurança dos fiadores". Parece-me histerismo. Então nós não estivemos a acumular uma almofada financeira para um ano? Pois. Então, até lá, eles esquecem-se. O papão dos mercados já começa a perder o gás, talvez porque já falhámos demasiadas vezes na avaliação psicológica dos mercados. Nós, e os mercados, estamos longe de ser almas gémeas.

O Manifesto dos 70 demonstra que, se calhar, até é possível encontrar o tal consenso que o Presidente tanto ambiciona, desde que ele e o PM desapareçam do caminho.

Uma coisa é certa, a principal vantagem de um manifesto, publicado e assinado por 70 "personalidades", é que "falar oralmente, qualquer um pode fazer, mesmo não sabendo nada da questão, mas escrever e assinar por baixo, é só para quem sabe".

Manifesto 5

 1  Passo Coelho: "São os caminhos mais difíceis que nos levam a resultados mais duradouros" - A frase tanto serve para criticar o Manifesto dos 70 como para justificar a proposta
de adesão plena da Guiné Equatorial na CPLP.

 2  José Gomes Ferreira chocado com o "timing" do Manifesto - José Gomes Ferreira, segundo me contaram, é o avatar do Schäuble. Schäuble está em Berlim, numa sub-cave, deitado numa máquina, e manobra o Zé Gomes com
a parte direita do cérebro.

 3  Manifesto pela reestruturação da dívida é "inoportuno", diz Paulo Rangel - "Podiam ter feito um como o meu, dos 101 dálmatas, que é inócuo
e não chateia ninguém".

 4  "Cavaco exonerou consultores que assinaram Manifesto dos 70 a pedido dos próprios" -: "Exonera-me, exonera-me com força, e chama-me traidor" - bem diz o Presidente que eles
são masoquistas.

 5  Manifesto dos 70 e Liga da verdade do jornal "Record" - Vêm dos lados mais improváveis os documentos que repõem alguma verdade neste País.