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26 de Janeiro de 2021 às 10:15

O relançamento e a reforma da economia – (III)

Embora os apoios financeiros previstos sejam substanciais, a verdade é que não estão ainda disponíveis e as economias mais vulneráveis estão a combater uma crise que está a causar danos estruturais crescentes – económicos e sociais – a partir de uma posição orçamental de grande fragilidade.

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1. Quando a crise pandémica se abateu sobre a Europa, a União Europeia compreendeu que enfrentava uma ameaça sem precedentes e que tinha de agir para afastar os riscos de implosão do projecto europeu. A aprovação de um programa robusto de um ponto de vista financeiro e mesmo inovador no que respeita ao seu financiamento, a par de uma intervenção rápida do BCE, fez “respirar de alívio” quem chegou a temer a desagregação da União Monetária.

Passou quase um ano e os danos económicos e sociais que o arrastamento da pandemia está a provocar conduzem-nos de novo a uma questão crucial – está a Europa do euro a fazer o necessário para evitar que a área do euro chegue ao fim da pandemia com um perigoso nível de fragmentação?

Embora os apoios financeiros previstos sejam substanciais, a verdade é que não estão ainda disponíveis e as economias mais vulneráveis estão a combater uma crise que está a causar danos estruturais crescentes – económicos e sociais – a partir de uma posição orçamental de grande fragilidade.

Como resultado, o nível de assimetria entre as respostas das diferentes economias ao choque pandémico é tal – de acordo com os números conhecidos até à data, a resposta global do Governo alemão é cerca de 8/9 vezes superior à do Governo português – que está a alargar o fosso entre as economias excedentárias e as mais frágeis e deficitárias. Evolução que, se não for contrariada, vai aumentar as tensões políticas no pós-pandemia, assim como vai tornar ainda mais complexas e difíceis as condições macroeconómicas em que o BCE vai ter de conduzir as suas acções. Na verdade, quanto menos homogéneas forem as economias que integram a Zona Euro, mais difícil é a calibragem e a execução de uma Política Monetária Única.

É corrente o argumento de que esta situação é normal e inevitável, na medida em que reflete a maior margem de manobra orçamental das economias excedentárias. Sendo de facto esta a realidade prevalecente na Europa do euro – a fragmentação existe desde o lançamento do euro e acentuou-se fortemente com a resposta à crise financeira –, também é indiscutível que todas pertencem a uma mesma área monetária, em que as economias estão submetidas a um mesmo enquadramento institucional e regulamentar.

Neste contexto, uma economia que integra uma União Monetária como a do euro não deveria adoptar medidas de combate a choques simétricos de forma autónoma, à revelia dos princípios que formam o enquadramento e a disciplina orçamental da Moeda Única.

A decisão da Comissão Europeia de suspender este enquadramento regulamentar não alterou esta obrigação – que é central em qualquer União Monetária – mas apenas suspendeu a sua aplicabilidade, por um período de tempo que mantém indeterminado. As implicações desta posição da Comissão – justificável à luz das dificuldades criadas pelo choque pandémico – são múltiplas e de enorme complexidade.

2. A situação de ambiguidade criada – suspensão de regras que serão reactivadas à frente – está objectivamente a colocar os governos das economias mais frágeis perante um dilema de difícil resolução. Como utilizar a margem de actuação oferecida pela Comissão? Responder com as medidas necessárias, sem preocupações orçamentais, na medida em que dificuldades e riscos excepcionais justificam soluções excepcionais, ou, pelo contrário, autolimitar a sua acção, de modo a manter uma posição orçamental próxima dos limites impostos pelo enquadramento orçamental do euro.

É aliás esta a orientação que o Governo português parece estar a adoptar quando recorre de forma intensa a medidas sem impacto orçamental imediato – caso das moratórias e das garantias. Medidas que apenas adiam e nalguns podem mesmo agravar os efeitos finais da pandemia, tanto sobre as empresas e as famílias, como sobre a situação orçamental no caso das garantias e lateralmente sobre os bancos no que se refere às moratórias.

Para além disso, os efeitos perversos da acção estabilizadora do BCE estão a acumular tensões nos mercados financeiros que só podem ser respondidas por via orçamental o que, por sua vez, pressupõe uma convergência de vontades políticas que é pouco provável no quadro actual.

Neste contexto como pode a Europa do euro responder às crescentes dificuldades com que se debatem as economias mais vulneráveis? Questões a abordar em próximo artigo.

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