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"Contramão" à mobilidade eléctrica

Os dados recentemente divulgados pela ACAP sobre a venda de automóveis ligeiros eléctricos e híbridos em 2015 não deixam de ser surpreendentes.

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Quase 5.000 veículos vendidos em 2015 considerando todos os automóveis movidos a energias alternativas (eléctricos, híbridos "plug-in", híbridos não "plug-in" ou convencionais e os movidos a GNV ou GPL), sendo que, aproximadamente, 1.000 unidades respeitam aos veículos eléctricos (100% eléctricos ou híbridos "plug-in").

 

Mas numa análise mais fina que considere a evolução face a 2014, os dados são ainda mais impressionantes: os híbridos não "plug-in" aumentaram 58%, os eléctricos, 241% e os híbridos "plug-in", 333%, fazendo com que a quota destes veículos já represente aproximadamente 3% do mercado automóvel!

 

Além do desenvolvimento tecnológico e diversificação da oferta que se verificou neste tipo de veículos, este aumento exponencial deve-se, em larga medida, ao conjunto de medidas transversais introduzidas pela Reforma da Fiscalidade Verde na mobilidade eléctrica que abrangeram particulares e empresas, distintas tipologias de veículos e diferentes sedes de tributação (IRS, IRC, IVA e ISV).

 

Acresce ao aumento significativo da venda destes veículos, uma reacção do mercado em total consonância com a hierarquia das vantagens fiscais plasmadas na reforma aos veículos "plug-in" em detrimento dos híbridos não "plug-in", uma vez que estes apresentam algum potencial poluidor face à maior eficiência dos primeiros.

 

Esta ampla reforma da tributação da mobilidade eléctrica traduziu-se em cinco vertentes diferentes, a saber, no aumento dos montantes máximos de depreciações aceites como gasto fiscal, na redução das taxas de tributação autónoma, na dedução do IVA nas despesas incorridas na aquisição, fabrico, importação, locação e transformação de viaturas, na redução do ISV e no incentivo ao abate de veículos em fim de vida.

 

Este último consistia no incentivo fiscal sob a forma de subsídio de 4.500 euros mediante a compra de uma viatura eléctrica ou na redução de ISV até 3.250 euros na aquisição de um híbrido "plug-in" mediante o abate de um veículo com dez ou mais anos. Cumpria-se, assim, um duplo objectivo ambiental: a saída de circulação de veículos poluidores e a sua substituição por veículos amigos do ambiente.

 

Ora OE para 2016 vem agora prever uma redução deste incentivo nos veículos eléctricos para metade e nos híbridos "plug-in" para 1.125 euros, estando já previsto, em 2017, uma nova redução para 1.125 nos eléctricos e 562,50 euros nos híbridos "plug-in".

 

Além da questionável constitucionalidade desta norma que prevê, numa lei do OE, uma aplicação temporal que ultrapassa o prazo de vigência anual do próprio Orçamento, os novos valores terão como consequência prática que o incentivo deixará de ser utilizado pelas pessoas e empresas.

 

E isto porque - para ser compensador - o valor do incentivo tem de ser sempre superior ao valor comercial dos veículos no momento do abate pois, caso contrário, o particular ou a empresa optará logicamente por vender o automóvel a um terceiro, obtendo um maior retorno, mantendo-se o mesmo em circulação. A título de exemplo, só no caso de o veículo com dez ou mais anos valer menos do que 562,50 euros é que o incentivo para a aquisição de um híbrido "plug-in" em 2017 será vantajoso...

 

O Governo poderia manter ou até aumentar este incentivo.

 

Decidiu reduzir e, na prática, tornou-o inoperacional.

 

Ao mesmo tempo que se assiste a uma "corrida" das marcas para ver quem consegue desenvolver automóveis com maior autonomia, sem aumentar o preço, em que às marcas japonesas e francesas, pioneiras neste segmento, se juntaram, recentemente, as marcas alemãs no contexto do "caso" Volkswagen, e uma multinacional anuncia a contratação de mais de duas centenas e meia de colaboradores em Portugal e um investimento de 55 milhões de euros em parceria com uma universidade portuguesa num projecto de I&D ligado aos veículos eléctricos, o Governo introduz uma medida em "contramão" ao sentido seguido de promoção da mobilidade eléctrica, revertendo uma política que tinha obtido inegáveis sucessos em 2015.

 

Por estes dias - em que se discute quem é "classe média" em Portugal - aqui vai uma pista: uma família com um carro a gasóleo com dez anos, que deseja trocá-lo por um veículo eléctrico para fugir ao enorme aumento de impostos nos combustíveis.

 

Advogado, Membro da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde

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