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O futuro da UE

A produção de mais riqueza que se possa distribuir não está dependente da produção de dinheiro com o BCE ou do federalismo orçamental de Bruxelas, mas do aprofundamento do Mercado Único na área dos serviços.

Vários responsáveis, entre os quais a presidente da Comissão da UE e o nosso primeiro-ministro, lançaram dramáticos alertas sobre os riscos que corre, na actual crise, a própria existência da UE. Embora descontando o exagero, devido à pressão dos acontecimentos, os alertas merecem exame.

Aqueles alertas fazem, sobretudo, apelos à solidariedade, ou seja, à redistribuição de rendimentos através dos instrumentos orçamentais e monetários.

Porém, tal processo de redistribuição num contexto de estagnação económica alavancará os riscos de desagregação. Na verdade, o pedido de solidariedade deveria ser acompanhado de iniciativas potenciadoras do crescimento da economia europeia.

As iniciativas necessárias não têm nada de misterioso ou de novo: trata-se apenas de retomar o curso de construção do Mercado Único interrompido – alargando-o aos serviços – no fim dos anos 1990 para ser substituído por iniciativas monetárias e federalistas. As raízes da estagnação e atrasos relativos da economia europeia e do esgotamento da convergência portuguesa devem ser procuradas aí, tal como muitas das divisões e incompreensões entre diferentes países que pontuam hoje os processos de decisão.

A produção de mais riqueza que se possa distribuir não está dependente da produção de dinheiro com o BCE ou do federalismo orçamental de Bruxelas, mas do aprofundamento do Mercado Único na área dos serviços.

Se foi um erro interromper o aprofundamento do Mercado Único há 20 anos, hoje a evidência é reforçada. A convergência de preços que evoluiu muito até 2006 desde então estagnou ou regrediu. Mais de 5.000 regulamentos nacionais ainda protegem a oferta local da concorrência das empresas europeias externas na área dos serviços. Quando o Mercado Único entrou em vigor em 1992, os serviços representavam 2/3 do PIB e hoje já são 3/4. Por fim, o processo do Brexit encolherá significativamente o actual Mercado Único.

A reflexão teórica, agora apoiada em décadas de experiência, mostra que os benefícios do Mercado Único para o crescimento do bem-estar (PIB per capita) da União como um todo não têm comparação com aqueles obtidos com o euro e a transferência de fundos. O mesmo se pode dizer para a coesão e a convergência entre os diversos países. Para Portugal o efeito positivo do Mercado Único não é menos de 10 vezes o do euro, de quatro vezes o do Acordo de Schengen e de duas vezes o dos fundos comunitários. Actualmente o efeito positivo do aprofundamento do Mercado Único aos serviços seria seguramente mais do dobro do que se conseguiu em 1992 na área dos produtos. Sabe-se que agora a intensidade do comércio entre as empresas europeias é o dobro do que seriam sem o actual Mercado Único, mas também que essa intensidade é ainda metade da que se regista entre as empresas dos EUA.

A liberalização da circulação dos prestadores de serviços entre países europeus é o desafio decisivo que enfrenta a União na estratégia de saída e de relançamento da economia. O decisor político português deveria perceber que está aqui o seu principal interesse em vez de atavicamente insistir apenas nas áreas monetária e orçamental.

Tudo indica que a estratégia de saída da crise da pandemia, quer no mediato quer a médio prazo, vai passar pelo BCE e pelo orçamento da União. O país irá novamente beneficiar de largas dádivas e de farto crédito barato. Esta fuga em frente não acompanhada do aprofundamento do mercado interno alargando aos serviços não trará resultados diferentes dos já experimentados nos últimos 20 anos de divergência e estagnação.

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