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Como salvar ou aniquilar bancos: o caso do BES

Os vapores eleitorais trouxeram ao de cima novamente o processo e os impactos da resolução do BES. Apesar de nítidas melhorias na percepção da realidade dos acontecimentos, o desconhecimento e a compreensão errónea ainda prevalecem de forma esmagadora.

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Apesar de a real motivação ser o processo eleitoral que se aproxima, o pretexto para e evidência mediática do assunto foi agora o pedido dos gestores do Novo Banco de mais uma tranche superior a 1 bilião de euros de dinheiro público para acomodar os rácios do banco.

 

Significativo das dúvidas que começam a pairar sobre o discurso dominante, na última quinta-feira no programa televisivo "Circulatura do Quadrado", Pacheco Pereira, perante o avolumar dos dinheiros públicos envolvidos, deixou cair qualquer coisa como isto: já não sei se não teria sido melhor dar aos Espírito Santo o dinheiro que pediam para salvar o banco. Claro que o autor - como que perplexo com as suas próprias palavras que tão cristalinamente pareciam reflectir as suas dúvidas sobre o discurso dominante - se desfez a seguir em ressalvas.

 

Apesar de significativo, o ponto levantado por Pacheco Pereira não é o mais importante do processo. Na verdade, a discussão anda muito à volta dos custos para o Estado: conhecer os custos orçamentais das várias decisões tomadas ao longo do processo, em especial as duas principais, a da resolução e da venda do banco(1).

 

De facto, o mais importante - e verdadeiramente decisivo - é o conjunto de decisões dos reguladores e dos políticos - outras que a da recusa do empréstimo referido por Pacheco Pereira - que precipitaram a queda do BES.

 

As decisões que refiro são de capital importância para perceber, não só os contornos do caso BES, mas também a natureza exacta da relação entre a política e a banca.

 

Apesar de grande gritaria da esquerda e de parte da direita - que quer mais e mais regulação - o sector bancário está super-regulado. Hoje, parte relevante dos recursos dos bancos é consumida em actividades improdutivas, só para satisfazer esta regulação. Esta tem vindo sempre a crescer desde o fim da II Guerra, acelerando mesmo após a quebra do Acordo de Bretton Woods em 1971. A cantilena da desregulação do sector financeiro, que teria conduzido à grande crise financeira de 2008, não colhe. Foi, precisamente, a intensificação da regulação financeira, derivada, por um lado, da quebra dos laços ténues que ainda mantinha com o padrão ouro (possibilitando novas aventuras aos políticos libertos das amarras do ouro) e, por outro, da pressão sobre a banca para emprestar mais e mais a sectores, empresas e pessoas politicamente convenientes, que instabilizou o sector financeiro e o conduziu ao precipício. Estes factos devem ser sublinhados, uma vez que são constantemente omitidos pelo discurso dominante. Acresce que eles são decisivos na compreensão do processo BES.

 

Os bancos estão cercados de tal forma por uma regulação constrangedora que se torna fácil, por incompetência ou simples vontade dos reguladores e políticos, aniquilar ou salvar bancos. A boa ou má gestão destes, embora não irrelevante, não é o factor decisivo para que o banco atravesse bem as crises financeiras. O verdadeiramente importante é o bom ou mau relacionamento com o sector político e o regulador. Ai do banco que não souber cultivar convenientemente esse relacionamento - no limite, a prazo, ai se falhar na sua captura.

 

No caso BES, para compreender verdadeiramente os acontecimentos, mais importante do que considerar a recusa do empréstimo referido por Pacheco Pereira, são outros factos do âmbito do poder regulatório exercidos sobre o BES. A título de exemplo, indico alguns casos de decisões sensíveis que não deveriam ter sido tomadas:

 

- Imposição de regras de separação entre o sector financeiro e não financeiro do grupo económico;

 

- Obrigações de aprovisionamento;

 

-Recusas de capitalizações privadas;

 

- Interferências e inconstâncias nas escolhas e aprovação de gestores do banco;

 

- Saídas de informações sensíveis para a comunicação social.

 

Estas decisões só poderiam - como aconteceu - instabilizar um banco em sérias dificuldades. Não sei o que motivou estas decisões. Também não sei, exactamente, como resultaram da interacção entre o BP, o Governo, o BCE e a Comissão Europeia. Mas sei algo(2):

 

- Tendo havido vontade, o Governo tinha instrumentos para usar em benefício da preservação de um sector bancário nacional e privado.

 

- O actual quadro institucional - super-regulado - é perigoso, proporciona vasta margem para a asneira, o que o torna perverso, com a agravante da crescente impreparação e quebra de qualidade dos decisores. Este poder regulatório é perigoso e voltará a exercer a sua influência negativa quando as condições o proporcionarem. A união bancária europeia, a que tantos, irresponsavelmente, aspiram, a concretizar-se, ampliará esta capacidade de perversão do sistema financeiro.

 

- A decisão de resolução do BES - a julgar pela elaboração pública dos seus defensores - baseou-se no desejo de liberalizar a economia portuguesa. Parece que o único elemento liberalizador foi a recusa do empréstimo público a uma entidade privada. De resto, todas a decisões públicas que levaram ao fim do BES e o seu resultado global estão a conduzir a cada vez mais Estado e a que mais dinheiro público seja envolvido e desperdiçado(3). O sector privado da economia ficou mais fraco e mais dependente das decisões e interferências estatais.

 

(1)Tudo tem andado à volta de saber se a magia do Fundo de Resolução consegue isentar os contribuintes dos custos dos montantes astronómicos injectados e a injectar no Novo Banco. Curiosamente, a argumentação dos governos de Passos e de Costa coincidem, argumentando que com o arranjo do Fundo de Resolução isentam-se os contribuintes dos custos em causa. Esta curiosa magia é propalada, extensiva e exaustivamente, até em editoriais de jornais de referência. Noutra altura, abordarei a questão, mas cabe agora perguntar: onde começam e acabam os contribuintes? Os bancos não são contribuintes? O presidente do BCP bem protesta pelos novos e pesados impostos com que o ameaçam para alimentar a Fundo de Resolução. Mas o pobre ainda não percebeu a nova "análise económica": os bancos saíram da esfera dos contribuintes. Parabéns, porque estes não vão ter vida fácil.

 

(2)Como estudioso deste caso, invejo, a este propósito, os poucos sortudos que já espreitaram o relatório do BCG sobre estas matérias que o BP egoistamente mantém secreto. Conforta-me saber que é provável que manutenção do secretismo signifique a confirmação das minhas hipóteses explicativas.

 

(3)Ver nota 1 acima.

 

Economista e professor no ISEG

 

Artigo está em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
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