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Avelino de Jesus - Economista e professor no ISEG 09 de Novembro de 2020 às 10:45

A pandemia, a crise e a política monetária

A política monetária está a impedir os ajustamentos sectoriais e empresariais imprescindíveis, aumentando a acumulação de tensões nos mercados e piorando os efeitos destrutivos da queda de reequilíbrio que, inevitavelmente, ocorrerá mais à frente.

A adequação das medidas de política económica à actual situação económico-financeira depende da compreensão da natureza da crise. É muito importante a correcta apreciação da relação entre a pandemia e a crise económica e, em especial, precisar a posição das economias no ciclo financeiro, sob pena de ineficácia e mesmo de perversão das medidas de política.

Parte essencial dos aspectos económicos negativos da actual situação têm a sua causa profunda não na pandemia, mas na política monetária do banco central desencadeada após a grande crise financeira de 2008. Aquela política monetária, ao ter prolongado – e nunca resolvido – aspectos essenciais da crise financeira, perante os desequilíbrios provocados pela pandemia, viu-se na necessidade de acelerar as suas parcelas mais nocivas: a redução das taxas de juro e a injecção descomunal de massa monetária no sistema financeiro.

A natureza explosiva desta situação é enorme. Na verdade, em cima das distorções provocadas pela política monetária laxista que seguiu após 2008 de forma continuada, caiu nova vaga de política monetária da mesma natureza. Estão em causa distorções no investimento e no consumo que, no caso português, estranhamente, muitos viram como virtudes que permitiram a saída pós-troika, dopando e empolando artificialmente os sectores intensivos em trabalho do comércio, da restauração, do alojamento e do turismo, à custa da continuada baixa da produtividade e dos salários e da certa continuação de taxas de crescimento rastejantes da economia portuguesa.

A política económica nacional não monetária pós-pandemia não só não contrariou a política monetária, mas ainda a agravou com medidas no mesmo sentido. Os apoios aos sectores de trabalho intensivos não são apenas de agora (recorde-se, apenas como exemplo, a redução do IVA da restauração). A resposta à pandemia não traz novidades: o sentido é o mesmo e errado, os apoios às empresas obrigam à manutenção do emprego, impedindo ajustamentos estruturais nos sectores e no tecido empresarial e prolongando os baixos níveis de produtividade e de salários.

A pandemia poderá, eventualmente, no futuro, arrastar mudanças não associadas à política monetária, mas, por enquanto, elas são impercetíveis e imprevisíveis e, arrisco mesmo, improváveis, nomeadamente no que concerne ao que muitos vaticinam na inversão duradoura do progresso da globalização.

O certo é que a pandemia foi apenas o factor de ignição de uma crise inscrita no prolongado desregramento do banco central.

A política monetária está a impedir os ajustamentos sectoriais e empresariais imprescindíveis, aumentando a acumulação de tensões nos mercados e piorando os efeitos destrutivos da queda de reequilíbrio que, inevitavelmente, ocorrerá mais à frente.

Aqueles que viam na política monetária apenas uma simples redução da capacidade de manobra do banco central têm aqui a resposta. Pior, o banco central ficou manietado, e tem – em vez uma simples redução de margem de manobra – como única solução praticável a fuga em frente, acelerando para o abismo e gerando uma tragédia económica de proporções muito acima daquela que a mera pandemia nos está a fazer penar.

 

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