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Mercado pouco surpreendido com o “não”, espera pelo BCE
Os analistas contactados pelo Negócios acreditam que a reacção positiva do mercado ao referendo italiano deve-se às expectativas em torno da acção do BCE. Além disso, o resultado já era antecipado.
Após a vitória do "não" no referendo italiano sobre as reformas constitucionais, o euro desceu para mínimos de 20 meses, os juros da dívida dos periféricos dispararam e os principais índices bolsistas europeus abriram a sessão em queda. No entanto, a reacção negativa do mercado não se prolongou por muito tempo.
Menos de uma hora depois da abertura das praças europeias, os índices inverteram a tendência e elevaram os ganhos para mais de 1%. O índice de referência para a Europa, o Stoxx600, chegou mesmo a valorizar um máximo de 1,6%. Também a moeda única passou para terreno positivo, e a subida dos juros na Europa foi atenuada. Uma reacção que os analistas contactados pelo Negócios explicam com o facto de a vitória do "não" já ter sido antecipada pelas sondagens e descontada no mercado.
"O movimento estava fortemente descontado. Os investidores esperavam a vitória do "Não", uma vez que as sondagens já apontavam nesse sentido, e deixaram o mercado cair com o intuito de comprar mais barato", afirma Eduardo Silva, gestor da corretora XTB. "Os investidores já tinham reduzido a exposição ao mercado italiano".
Rui Bárbara, gestor de activos do Banco Carregosa, recorda o caso do Brexit e a eleição de Donald Trump para salientar que "no curto-prazo há muita irracionalidade" no mercado. "Há muitas máquinas a gerir fundos com base em algoritmos e, acima de tudo, temos memória recente de pelo menos dois eventos que também anunciavam forte turbulência e acabaram por ser digeridos com grande estabilidade", afirma.
Além disso, os investidores acreditam que o clima de instabilidade poderá levar o Banco Central Europeu (BCE) a manter ou reforçar os estímulos à economia, o que ajuda a explicar a reacção positiva das bolsas europeias. A autoridade monetária reúne-se na próxima quinta-feira, 8 de Dezembro, e poderá anunciar alterações ao programa de compra de activos – fixado actualmente em 80 mil milhões de euros mensais e com fim programado para Março de 2017.
"A reacção relativamente incólume dos mercados europeus (…), incongruente com o que seria de esperar de um evento que incrementa a incerteza política em Itália e também na Europa (devido à crescente onda populista), pode resultar de expectativas que o BCE continue a apresentar medidas de flexibilização da política monetária na próxima reunião de quinta-feira", adianta a equipa de research do BiG.
Marisa Cabrita, gestora de activos da Orey, partilha a visão de que as expectativas em torno do BCE poderão estar a suportar os ganhos, e destaca ainda o optimismo em torno dos próximos passos do presidente italiano como um factor de estabilização do mercado. "As expectativas de que o presidente da República consiga unidade entre os partidos e forme um governo transitório contribuem para alguma estabilização", especifica a gestora. "Este cenário poderia assim evitar a realização de eleições antecipadas e permitir a reforma da lei eleitoral, limitando a ascensão dos movimentos mais radicais".
Indefinição política poderá trazer mais volatilidade
Nos próximos dias, a negociação deverá ficar marcada por uma forte volatilidade, reflectindo a incerteza política em Itália, uma das maiores e mais endividadas economias da Zona Euro.
"Segue-se agora um período de indefinição. Itália poderá manter um governo de gestão ou convocar novas eleições. Considerando a incerteza politica e os estandartes eleitorais da oposição, o voto no "Não" pode ser o início de grandes alterações no país, mas também pode acabar por simplesmente demonstrar que os italianos não querem alterar o sistema político", aponta Eduardo Silva, gestor da corretora XTB.
Além disso, o clima de instabilidade poderá ter efeitos adversos na banca italiana, a braços com um elevado montante de crédito malparado e grandes necessidades de capital. "A derrota de Matteo Renzi poderá mergulhar Itália numa crise política, elevando assim os receios de que as reformas/recuperação do sistema bancário possa ser posta em causa, numa altura em que o Monte dei Paschi di Siena tenta um aumento de capital de 5 mil milhões de euros até ao final do ano (e que poderá ser suspenso, caso as condições se deteriorem) e o Unicredit procura 13 mil milhões de euros", diz Marisa Cabrita.
Segundo a equipa de research do BiG, o actual momento de recuperação do mercado accionista "poderá evidenciar alguns sinais de exaustão no curto prazo", caso persista a tendência negativa do mercado de dívida ou o BCE desiluda as expectativas mais optimistas do mercado.