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Lítio: quando o pó branco é bom sinal

Os australianos da Dakota Minerals tentam provar que do coração de Trás-os-Montes pode vir a sair o lítio que vai ajudar à revolução eléctrica no sector automóvel e não só. É a partir dali que querem afirmar-se como fornecedor sustentável para a Europa.

16 de Abril de 2017 às 22:00
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Enquanto à superfície do monte de Romano é o vento frio do início de Primavera que agita o mato rasteiro, a dezenas de metros de profundidade máquinas e homens interrompem uma (relativa) tranquilidade com 300 milhões de anos.

Debaixo de capacetes e atrás de coletes e máscaras, geólogos e operários prosseguem a rotina desta manhã, indiferentes às condições atmosféricas deste dia em Trás-os-Montes. À volta de uma perfuradora, numa questão de segundos enchem bolsas de plástico numeradas. Depois, alinham-nas às dezenas nas proximidades da maquinaria e retiram e lavam amostras.

É assim que a Dakota Minerals tem desenvolvido nos últimos meses parte das suas prospecções na concessão de Sepeda, concelho de Montalegre, onde tenta localizar ocorrências minerais que justifiquem a exploração de lítio na região. Em cerca de 50 pontos tem sido a tecnologia de "reverse circulation" a fazer o trabalho. Uma perfuradora tritura a rocha por compressão e o material resultante é conduzido à superfície enchendo uma bolsa por cada metro de material retirado. Nos intervalos, pequenas descargas de poeira escapam-se em redor.

"O pó branquinho é bom sinal", diz-se por entre a comitiva que visita a zona da prospecção. Essa coloração mais clara da rocha significa que a perfuração atingiu o pegmatito, a anomalia geológica localizada por entre o maciço de xisto da região e que está associada à ocorrência de minerais raros como o lítio.

Mais de cinco mil metros de perfurações já realizadas até ao momento, o entusiasmo no campo é, ainda assim, mais contido que a "febre" que vem rodeando o lítio nos últimos anos. A procura pela indústria de baterias de iões de lítio – conduzida pelas necessidades da electrificação do sector automóvel ou pela armazenagem de energia em casa – levou o preço a disparar nos mercados internacionais: entre 2015 e 2016 passou de 7.600 dólares (quase 7.200 euros à cotação actual) para 20.000 dólares (18.800 euros) por tonelada.

Enquanto uma bateria de telemóvel usa em média cinco a sete gramas de carbonato de lítio, uma que seja usada por um automóvel da Tesla, como o Model S, requer 63 quilos deste material – 10 mil vezes mais quantidade.

Avaliação no terreno

Foi o interesse recente em torno deste mineral que trouxe a Trás-os-Montes cerca de uma dezena de "brokers", analistas financeiros e responsáveis por empresas de "private equity" e gestão de activos, vindos da Suíça, Holanda ou Reino Unido. Constatam no terreno o avanço dos trabalhos da Dakota, numa visita que o Negócios acompanhou. A cotada australiana fez descobertas nos últimos meses que podem contribuir para tornar Portugal num fornecedor de referência de lítio, material usado na construção das baterias que ajudam a desenhar a próxima revolução tecnológica e energética.

"O nosso objectivo não é ser um dos maiores produtores de lítio do mundo, mas ser sustentável, estável, ser uma ‘one stop shop’ na Europa", repete em inglês David Frances, o CEO da mineira, perante os especialistas do sector financeiro que seguem em fila pelo campo, enterrados debaixo de um capacete de plástico branco.

Depois de a empresa ter anunciado em Fevereiro uma das maiores descobertas de ocorrências de lítio em pegmatito na Europa – e de já ter investido mais de um milhão de euros em Sepeda –, aguarda em Abril pelos estudos metalúrgicos que possam provar a existência de altas concentrações do mineral naquela descontinuidade geológica.

O ideal, defende Frances, seria uma exploração com vida útil de 15 anos e extrair um milhão de toneladas de material rochoso por ano, com uma concentração média de 1% de lítio. Das amostras que seguiram para análise, uma daquelas em que foi detectada uma presença mais elevada aponta para uma concentração de 2,57%, ou seja, 2,5 vezes mais elevada que aquela média.

Numa segunda fase, espera que o material presente justifique também a construção de uma unidade de processamento, que poderá significar um investimento potencial de 370 milhões de euros. Uma infra-estrutura que poderá estar pronta em 2019, prazo ambicioso que depende dos estudos económicos e metalúrgicos e da chegada a bom porto das conversações com o Governo sobre possíveis incentivos fiscais que justifiquem o investimento.

Para já, as sondagens devolvem dados animadores. Os geólogos apontam a dedo, nos testemunhos de rocha (os cilindros com um metro de comprimento extraídos do subsolo), as zonas acinzentadas onde poderão estar as maiores concentrações de lítio. Os visitantes pegam no cilindro esbranquiçado, inclinam-no à luz do sol e observam os veios com a ajuda da lupa.

Depois de Sepeda, outras se poderão seguir

Se for bem sucedida, esta poderá vir a ser a primeira extracção de minerais metálicos a iniciar actividade em Portugal em vários anos. O que, segundo Bruno Pereira, abre espaço para novas descobertas com significado: "O projecto de Sepeda poderá consubstanciar-se numa nova mina de minerais metálicos em Portugal. (…) O sucesso deste projecto de prospecção pode servir para atrair mais investimento para o sector dos recursos minerais," disse ao Negócios o sócio-gerente da Sinergeo, a empresa especialista em geologia e geofísica que colabora com a Dakota desde o início das operações.

Grandes fabricantes automóveis ou de baterias - como a Tesla, a Daimler, a Volkswagen, a BMW ou a Samsung - estão entre os possíveis maiores utilizadores do mineral, numa altura em que, segundo a Dakota, 90% da produção está nas mãos de quatro empresas e em que se espera que o mercado de fornecimento de lítio cresça em 2025 para as 535 mil toneladas métricas por ano, segundo dados do Deutsche Bank citados pela Dakota.

E se no passado o lítio era visto como um produto descartável nas minas que extraíam estanho - como aquela que existia em Romano -, agora é apontado como a "nova gasolina". Se o prometido estudo do Governo sobre as potencialidades do mineral no país vier a confirmá-lo, Portugal - de onde sai hoje 2% do lítio consumido na Europa e - pode bem vir a ser a nova estação de serviço do Velho Continente.

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