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Visita de Xi Jinping à Rússia será mais uma acha para a fogueira nas relações China-EUA
O novo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, defende que Pequim e Washington "podem e devem cooperar", enquanto o presidente chinês, Xi Jinping, anuncia uma "grande muralha de aço" para defender interesses do país. Certo é que o constante clima de tensão não tem tirado peso à balança comercial.
Se bem que as relações entre a China e os Estados Unidos têm sido tensas nos últimos anos, seja por razões de foro comercial ou político, a retórica das duas super potências tem subido de tom e a iminente visita do Presidente chinês, Xi Jinping, a Moscovo promete lançar mais uma acha para a fogueira.
O convite foi endereçado em dezembro, pelo presidente russo, Vladimir Putin, durante uma videochamada em que os dois líderes reafirmaram os planos de cooperação em múltiplas áreas, desde o comércio à energia. E, logo no início do ano, a diplomacia russa faz saber que o encontro, visto como "um grande acontecimento" na agenda bilateral, estava previsto para a primavera, mesmo antes de Pequim confirmar.
A acontecer, terá lugar um mês depois da visita surpresa do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a Kiev, onde se reuniu com o homólogo, Volodymyr Zelensky, reafirmou "o compromisso inabalável dos Estados Unidos para com a democracia, soberania e integridade territorial da Ucrânia", anunciou um novo pacote de apoio militar ao país, no valor de 450 milhões de dólares, e prometeu nova ronda de sanções contra empresas ligadas à máquina de guerra da Rússia.
Pequim ofereceu-se desde o início para mediar o conflito, mas a postura branda relativamente a Moscovo sempre suscitou interrogações sobre a sua posição relativamente à invasão da Ucrânia pela Rússia. Há dias, quando se cumpriu um ano depois da guerra, a China apresentou mesmo um plano de paz para a região, em 12 pontos, quando, na véspera tinha optado por se abster numa resolução da ONU a apelar ao fim do conflito. Essa medida, aprovada com 141 votos a favor, sete contra e 32 abstenções, inclui a exigência da saída do exército russo de território ucraniano.
Este plano mereceu as críticas por parte dos Estados Unidos, com o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, a declarar que Washington está a observar "de perto" os movimentos de Pequim e a alertar que o gigante asiático poderia estar a preparar-se para "entregar armas letais à Rússia", um cenário que não foi confirmado, mas também não descartado, segundo Washington.
Da guerra na Ucrânia, aos "chips", passando por Taiwan
A guerra na Ucrânia é apenas uma das áreas em que a China e os Estados Unidos surgem em pólos separados. Mais recentemente, é a tecnologia que tem estado na ordem do dia (ponto que, aliás, sempre foi muito sensível nas relações bilaterais) devido a um acordo entre os Estados Unidos, Japão e os Países Baixos que a China diz que lhe irá restringir o acesso a equipamentos e tecnologias de fabrico de 'chips' de ponta.
No mês passado, o Ministério do Comércio acusou mesmo Washington de ameaçar a cadeia de abastecimento global ao abusar do controlo das exportações e das preocupações com a segurança nacional.
As acusações têm continuado e, há dias, foi a vez do recém-empossado ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Qin Gang, afirmar que os Estados Unidos devem mudar a sua atitude "distorcida" em relação à China. "Se os Estados Unidos não puserem o pé no travão e continuarem no caminho errado vai certamente haver conflito e confrontação. Quem vai arcar com as consequências catastróficas?", questionou.
O insólito caso do balão de vigilância que os EUA abateram ao largo da costa leste após considerar tratar-se de um balão-espião de Pequim, algo que foi negado, foi um dos episódios que apareceram pelo meio e que vieram agravar a sempre complicada relação entre as duas super potências.
Outro foco, desta feita contínuo, de tensão entre a China e os Estados Unidos é Taiwan. A China defende que a ilha é parte inalienável do seu território e e ameaça a reunificação através da força, pelo que qualquer intercâmbio entre os Estados Unidos e Taiwan, como uma visita política, é ferozmente atacado como ingerência em assuntos internos, sucedendo o mesmo com outros países do Ocidente, sobretudo quando está em jogo fornecimento de material militar.
O Reino Unido aprovou um forte aumento das exportações de componentes de submarinos e tecnologia no ano passado para Taiwan, numa altura em que a Formosa atualiza a sua força naval e isso, como assinala a Reuters, pode beliscar as suas relações com Pequim.
O valor das licenças concedidas pelo governo britânico às empresas para exportar esses materiais totalizou um recorde de 167 milhões de libras (189 milhões de euros) nos primeiros nove meses de 2022, o que, segundo a a análise da agência Reuters aos dados oficiais, é mais do que o conjunto dos seis anos anteriores.
"A ser verdade é uma grave violação do princípio 'uma só China', mina a soberania e interesses securitários da China e a paz e estabilidade no Estreito de Taiwan", reagiu a diplomacia chinesa, referindo-se ao chamado Consenso de 1992, no qual Taipé e Pequim reconhecem que existe apenas uma única China, embora tenham diferentes entendimentos sobre qual é a "verdadeira".
A postura dos Estados Unidos é, de certo modo, ambígua. É que, se por um lado, reconhece que existe apenas um governo chinês e tem relações formais com a China e não com Taiwan, por outro, tem apertados laços com Taiwan e uma lei específica que determina que devem fornecer à ilha os meios para se defendem, sendo, sob esse chapéu, muito recorrentes as vendas de armamento à Formosa.
Da "grande muralha de aço" da defesa ao "business as usual" do comércio
Por falar em armamento, o presidente chinês, Xi Jinping, veio prometer fortalecer a segurança do país e transformar as forças armadas numa "grande muralha de aço" para defender os interesses do país, numa altura em que as relações entre a China e os EUA estão em níveis mínimos em décadas.
No discurso, esta segunda-feira, para os quase 3.000 deputados à Assembleia Popular Nacional, que marca o encerramento da reunião anual, em que Xi garantiu um terceiro mandato, num feito sem precedentes, afirmou, citado pelo Financial Times, que "irá tornar o exército numa grande muralha de aço que efetivamente salvaguarde a soberania e a segurança nacional, e os interesses de desenvolvimento" do país. País esse que, ainda que a grande distância dos Estados Unidos, tem o segundo maior orçamento militar do mundo. Este ano será o equivalente a 211 mil milhões de euros, mais 7,2% do que em 2021.
Já o novo primeiro-ministro chinês, Li Qiang, adotou um tom mais conciliátório questionado sobre as relações entre a China e os Estados Unidos no atual contexto de tensão geopolítica, afirmando que o "apertar do cerco" ou a "supressão" não são do interesse de nenhuma das partes.
Há pessoas nos Estados Unidos "a exaltar a dissociação dos dois países", mas "não sei quantas pessoas podem realmente tirar vantagem desta propaganda", disse Li, em resposta à única pergunta sobre política externa que aceitou (ao contrário da prática do seu antecessor, Li Keqiang, que cumpriu dois mandatos) naquela que foi a sua primeira conferência de imprensa.
O chefe do governo chinês apontou que as relações económicas com os Estados Unidos continuam fortes, sendo prova disso mesmo trocas comerciais recorde de 760 mil milhões de dólares no ano passado e questionado sobre eventual saída de capital estrangeiro sublinhou que lhe têm antes chegado relatos positivos dos empresários norte-americanos sobre as suas perspetivas em relação à China.
"A China e os Estados Unidos têm um ao outro nas suas economias e ambos beneficiaram do desenvolvimento do outro", sublinhou, em declarações citadas pelo jornal South China Morning Post. "A China e os Estados Unidos podem e devem cooperar. Há um grande potencial para a cooperação China-Estados Unidos. Conter e reprimir não fará bem a ninguém", reforçou.