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Trump põe o “nacionalismo branco” a um passo da Sala Oval

Steve Bannon será “estratega chefe” de Donald Trump. O ex-CEO do site Breitbart é considerado uma das principais caras do movimento “alt-right”, onde a supremacia branca e a misoginia têm rédea livre. Até republicanos o acusam de ser um perigoso "racista" e "anti-semita". Com ajuda de royalties da série Seinfeld, Bannon construiu um "Fight Club" mediático pessoal. O KKK acha a escolha "excelente".

Reuters
14 de Novembro de 2016 às 21:55
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"O feminismo torna as mulheres mais feias", "Bill Kristol, o judeu renegado", "Preferia que a sua filha tivesse feminismo ou cancro?", "Grande máquina de ódio gay encerra pizzaria cristã", "Politicamente correcto protege a cultura muçulmana da violação". Estes são apenas alguns exemplos de títulos do site de direita radical, Breitbart, cujo CEO era, até Agosto, Steve Bannon. Nesse mês, Bannon abandonou o site para liderar a campanha presidencial de Donald Trump. Agora será um dos braços direitos do Presidente dos Estados Unidos.

 

Donald Trump divulgou durante o fim-de-semana os dois primeiros nomes confirmados da sua Administração: Reince Priebus, presidente do Comité Nacional Republicano será o chefe de gabinete – uma posição de grande relevância na Casa Branca -, enquanto Steve Bannon será "estratega chefe e consultor sénior". A ideia é que fique responsável pela estratégia mais macro da Presidência Trump. Embora a escolha não tenha sido surpreendente – a sua influência na campanha era muito grande – atraiu críticas duras dos democratas, mas também de republicanos, que repudiam Bannon, considerado pela Bloomberg o "operacional político mais perigoso" dos EUA.

 

"Só para que fique claro, comunicação social: o próximo presidente nomeou um racista, anti-semita como um igual do chefe-de-gabinete", escreveu no Twitter John Weaver, que esteve envolvido nas campanhas presidenciais de John McCain de 2000 e 2008 e era o principal estratega da candidatura de John Kasich (derrotado por Donald Trump nas primárias). "A direita racista e fascista está representada a poucos passos da Sala Oval. Está vigilante, América." A comentadora Ana Navarro, republicana e opositora de Trump, classificou Bannon como "anti-gay, anti-semita, vingativo, assustador". "Depois de vomitar, tem medo, América", avisou.

 

Os democratas foram ainda mais agressivos. "É fácil ver por que é que o KKK [Ku Klux Klan] vê Trump como o seu campeão, quando Trump nomeia um dos principais impulsionadores da retórica e de temas de supremacia branca como seu braço direito", acusou o vice-chefe de gabinete do senador Harry Reid.

 

Outras organizações alinharam na mesma demonstração de indignação. A Liga Anti-Difamação, instituição judaica com sede nos EUA, "opõe-se fortemente à nomeação de Steve Bannon como conselheiro sénior e estratega chefe na Casa Branca", sublinharam "É um dia triste quando o homem que presidiu ao principal site da alt-right – um grupo de nacionalistas brancos e anti-semitas e racistas desavergonhados – será o próximo membro sénior da equipa da ‘casa do povo’". O Conselho para as Relações Islâmico-Americanas pediu para que Trump reconsidere "esta má nomeação, se ele quer realmente unir os americanos".

 

De onde vem a indignação?

 

Steve Bannon tem uma atitude anti-elites, mas o seu background é bastante elitista. Passou pela Universidade de Georgetown, serviu como oficial na Marinha e tem um MBA de Harvard. Trabalhou durante anos na Goldman Sachs, em fusões e aquisições, tendo depois iniciado uma aproximação à indústria do entretenimento. Parte do dinheiro que acumulou vem de royalties que ainda recebe por ter investido na série Seinfeld. 

 

O Breitbart seria fundado em 2007 e Bannon chegou à liderança da empresa mãe do site em 2012. Com ele como CEO, o site encostou-se muito mais à direita, com simpatia clara para com Donald Trump. Figuras da extrema-direita europeia, como Wilders ou Le Pen.

 

Além dos títulos citados no início da peça, o site está repleto de teorias da conspiração, tem um "tag" para "crimes de negros", reclamou a utilização orgulhosa da bandeira federal depois de um defensor da supremacia branca ter matado nove negros numa igreja na Carolina do Sul e deu autorização aos heterossexuais para usarem as expressões "faggot" e "queer" para se referirem a homossexuais. 

 

Uma das "inovações" do Breitbart foi declarar guerra, não só à esquerda, como ao aparelho republicano. O tão discutido "establishment". Bannon já assumiu ser necessário "dar umas chapadas ao Partido Republicano". O Presidente da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, era um dos seus alvos preferidos. A existência desta relação atribulada deverá ter sido um dos motivos principais para Priebus, e não Bannon, ter sido escolhido para chefe de gabinete do Presidente Trump. Um cargo que exige uma coordenação estreita com o Congresso.

 

Para o Southern Poverty Law Center, "o Breitbart atravessou uma mudança clara abraçando as ideias das franjas extremistas da direita conservadora". "Ideias racistas e ideias anti-imigrantes – são inquilinos decisivos que estão a construir a ideologia racista emergente conhecida como alt-right [direita alternativa]", escreveram.

 

O conservador Ben Shapiro, que foi director do Breitbart entre 2012 e 2016, considera que a liderança de Bannon fez com que o Breitbart "abraçasse abertamente [a ideologia de] supremacia branca e a alt-right", escreveu há alguns meses. "Agora, o Breitbart tornou-se no site de preferência da alt-right, com Yiannopoulos [jornalista do site] a impulsionar o nacionalismo branco como uma resposta legítima ao politicamente correcto".

 

O que é a alt-right?

 

Esta é uma pergunta a que a maioria dos Americanos não consegue responder. Uma sondagem da YouGov concluía que 53% dos americanos nunca ouviram falar da alt-right e apenas 5% estão "muito familiarizados" com ela. Não é fácil definir a espinha dorsal ideológica do movimento, mas Richard Spencer, o nacionalista responsável por cunhar o termo alt-right, descreveu-a como uma "ideologia em torno de identidade, identidade europeia". O mesmo Spencer comparou a imigração a uma guerra "e talvez o último reduto para o Americano Branco, que está a atravessar o doloroso reconhecimento de que, a não ser que algo dramático seja feito, os seus netos viverão num país estranho e hostil".

 

A alt-right vive essencialmente online. Tem influências racistas, de supremacia branca e anti-semitismo misturado com anti-feminismo e populismo, por entre brincadeiras e memes. Para além do Breitbart, o financeiro Zero Hedge, onde todos os autores assinam como o pseudónimo Tyler Durden (personagem central do filme "Fight Club"), é uma das suas principais casas.

 

O Breitbart tornou-se no clarim desta direita radical. O site ideal para se informarem sem que as suas ideias pré-concebidas sejam colocadas em causa. O próprio Steve Bannon assumiu que o Breitbart é a plataforma da alt-right. Na noite das eleições teve mais "impressões" no Facebook do que a Fox News e a CNN.

 

Se o site foi o mensageiro ideal, a campanha de Donald Trump foi o veículo de poder perfeito que procuravam há anos. Ben Shapiro escrevia em Março que o Breitbart se tinha tornado no "Pravda pessoal de Trump". Desde Agosto que Bannon está à frente da campanha do milionário, sendo-lhe atribuída a responsabilidade por algumas das suas manobras mais agressivas, como a conferência de imprensa com as alegadas vítimas de agressões sexuais por parte de Bill Clinton, minutos antes do segundo debate presidencial.

 

Numa entrevista ao Motherjones, Bannon defendeu-se, argumentando que a alt-right atrai tantos racistas como a esquerda radical atrai outro tipo de extremistas. "Olha, há alguns nacionalistas brancos que se sentem atraídos por algumas das filosofias da alt-right? Talvez. Há alguns anti-semitas que são atraídos? Talvez", admitiu, apontando que "certos elementos da esquerda progressiva e da extrema-esquerda [também] atraem certos elementos". "Se olhar para os movimentos identitários na Europa, acho que muitos deles são sobre "identidade polaca" ou "identidade alemã" e não sobre identidade racial", referiu. "Tem mais a ver com identidade em torno do Estado-nação do que o seu povo como nação."

 

Tanto Reince Priebus como Newt Gingrich (outro nome quase certo na Administração Trump) saíram em defesa de Bannon. "Steve Bannon foi um oficial da marinha. Foi sócio gestor da Goldman Sachs. Foi produtor de filmes de Hollywood. Sabe, a ideia de que ele representa… Eu nunca ouvi falar da alt-right até os maluquinhos começarem a escrever sobre ela", argumentou Gingrich, antigo presidente da Câmara dos Representantes. Priebus frisou que "esse não é o Steve Bannon que eu conheço". "É um homem muito, muito inteligente."

 

Outras defesas são menos simpáticas para Bannon. David Duke, líder do Ku Klux Klan considerou a sua escolha "excelente". À CNN, Duke disse que "é bom ver que ele está a manter os temas e as ideias que propôs como candidato".

 

"Fight Club"

 

Além daquilo que autorizava escrever no seu site, Bannon também tem um historial pessoal polémico. Indiciado por violência doméstica em 1996, o caso acabou por cair porque a sua ex-mulher não compareceu em tribunal. A mesma que em 2007, durante o processo de divórcio, disse que Bannon não queria que as suas filhas andassem numa escola com judeus. Bannon negou que alguma vez tivesse dito algo semelhante. Mas outras citações estão registadas, como aquela vez em que usou o termo (ofensivo) "dykes" para se referir a mulheres lésbicas.

 

A Atlantic escreve que os trabalhadores do Breitbart se referem à empresa como "Fight Club". Nesta comparação, Steve Bannon é Tyler Durden (lembra-se do Zero Hedge?). Talvez a imagem não seja a melhor. Um grupo de homens frustrados que, lembra a Atlantic, "começam a lutar uns contra os outros em caves, transformam-se num culto e acabam por cometer um acto de terrorismo doméstico". Ao som de Pixies.

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