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IRS: Recibos verdes e Alojamento Local terão de provar despesas
De 2018 em diante, o regime simplificado do IRS só garantirá um abatimento automático máximo de 4.104 euros ao rendimento. Profissionais liberais e pequenos empresários que queiram manter as deduções actuais vão ter de apresentar despesas suficientes.
Advogados, economistas, tradutores, músicos, formadores. Pequenos empresários da restauração, do comércio ou do alojamento local: caso paguem IRS através do regime simplificado, e ultrapassem determinados níveis de facturação, estes contribuintes vão ter de apresentar despesas suficientes para beneficiarem das deduções automáticas que a lei lhes atribui. Não haverá necessariamente mais imposto, mas dará certamente mais trabalho do que até aqui.
A proposta de Orçamento do Estado para 2018 altera de forma substancial a lógica de funcionamento do regime simplificado em IRS. Os actuais coeficientes automáticos que se aplicam a cada actividade – e que garantem que uma percentagem da facturação não é sujeita a IRS – mantêm-se, mas só até ao ponto em que garantam 4.104 euros de abatimento. A partir daí, se os profissionais liberais e os empresários em nome individual quiserem manter os mesmos níveis de dedução, têm de ter despesas suficientes na sua página do e-fatura. Caso contrário, terão um rendimento tributável superior, e mais imposto a pagar.
Como é agora?
Os profissionais liberais e pequenos empresários em nome individual que facturem até 200 mil euros por ano podem optar por pagar IRS através do chamado regime simplificado (em vez de terem contabilidade organizada). Neste regime, o IRS incide sobre uma percentagem da facturação, presumindo-se que uma parte corresponde a encargos – e não são precisos papéis nem comprovativos de despesa.
Os coeficientes (a tal percentagem que nos diz quanto é rendimento e deve pagar IRS e quanto é despesa e deve ficar de fora) dependem do tipo de actividade que está em causa. No caso dos profissionais liberais, presume-se que 25% do que facturam vai para despesas – pagam IRS sobre 75% do total. Estão neste grupo os advogados, consultores, tradutores e todos quantos caem na tabela do artigo 151º do Código do IRS.
No caso dos comerciantes e empresários da restauração, o regime presume que 85% do que facturam é despesa – pagam IRS sobre 15% do total.
E no caso dos empresários do alojamento local, presume-se que 65% é despesa – o IRS incide sobre 35% do rendimento.
Estes rendimentos tributáveis são englobados e pagam IRS às taxas gerais que se aplicam a todos os contribuintes.
O que muda?
Segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2018, estes coeficientes mantêm-se mas, a partir de um certo patamar de rendimento, é preciso que os contribuintes tenham despesas suficientes que garantam a dedução automática. Ou seja, a partir de um nível, é como se o regime simplificado deixasse de existir.
Que patamares são esses? Para um profissional liberal, os chamados rendimentos profissionais que passam recibos verdes, nada muda para quem facture até 16.416 euros – cerca de 1.368 euros por mês. Quem esteja neste grupo, não precisa de se preocupar, porque o Fisco continuará a presumir que 25% do valor global dos recibos que passou no ano foram despesa.
Já se o valor de facturação ultrapassar este patamar de 16.416 euros, então, o Fisco só atribui o direito a uma dedução automática de 4.104 euros (que é actualmente a dedução específica do trabalho dependente). A partir daí, se quiser ter a dedução dos 25%, o contribuinte tem de ter facturas - não as tendo, paga IRS sobre uma base maior.
A norma é difícil de entender e está a gerar interpretações divergentes, mas, ao Negócios, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garante que "não há qualquer aumento de IRS".
A garantia de que as alterações não representam um agravamento de impostos para os trabalhadores independentes também já foi dada pelo ministro das Finanças, em entrevista à Antena1, dizendo que a medida tem um objectivo de "transparência".
António Mendonça Mendes explica que "assegura-se a todos o valor da dedução específica, que é sempre automático. A partir daí, o contribuinte tem de garantir que tem facturas pela diferença entre os 4.104 euros e o valor de que precisa" para completar a dedução.
Apresentando um exemplo para que se perceba melhor: um advogado que facture 100.000 euros ao ano, só paga IRS sobre 75.000 euros – 25% estão automaticamente excluídos. De futuro, para manter o direito aos 25.000 euros de dedução, tem de assegurar-se de que tem despesas de 20.896 euros (a diferença entre os 25.000 e os 4.104 euros de dedução garantida).
O mesmo princípio se aplica aos empresários do alojamento local, que só têm os 4.104 euros de dedução garantidos para facturações até 6.313 euros ao ano, segundo contas do Negócios. E para empresários do comércio, restauração e hotelaria, que precisam de começar a garantir que têm facturas se facturarem acima de 4.828 euros.
Consultores e advogados arrasam a medida
O Governo garante que a medida não vai complexificar a vida aos contribuintes, até porque será o Fisco a fazer as contas a partir das facturas que estão no e-factura no âmbito da actividade profissional. E que, se houver facturas que lá não estejam, nomeadamente despesas com funcionários ou facturas do estrangeiro, elas podem ser adicionadas.
Mas esse não é o entendimento dos consultores e advogados que têm vindo a pronunciar-se. É o caso de Luis Leon, da Deloitte, que ao Negócios diz achar "estranhíssimo que se esteja a transformar um regime simplificado num regime complicado. Se é para limitar, mais vale acabar com ele", sustenta o fiscalista, que se interroga "como é que um pequeno empresário vai perceber como é que isto se faz".
Também a Ordem dos Advogados já se pronunciou oficialmente, dizendo que "a medida violadora de um compromisso anterior" e "inclui um mecanismo de limitação à dedução de custos que é desleal".