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"Olha, um offshore!" Transferências vão pagar 50% de IRS

Segundo o Bloco de Esquerda, em Portugal "vivemos cada escândalo financeiro como se fosse o primeiro e a cada novo baque surpreendemo-nos". As 21 propostas de combate aos offshores foram discutidas esta quinta-feira e, para já, darão lugar a três alterações com significado.

Miguel Baltazar
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A chuva de propostas que deram entrada na Assembleia da República no rescaldo dos Panamá Papers parece resumir-se, para já, em três consequências assinaláveis: as acções ao portador vão ser proibidas, os pagamentos em numerário vão ser limitados, e as transferências de rendimentos para offshores da lista negra passam a pagar uma taxa de 50% em vez dos 35% actuais. Tudo o mais ou ficou pelo caminho, ou é redundante, ou acabou por ver a sua discussão adiada, na sequência da sessão agendada pelo Bloco de Esquerda, onde o partido comparou a atitude dos políticos portugueses à do peixe Dori, personagem de um filme de animação que sofre de amnésia. 

 

Ao todo, entre projectos de Lei e propostas de resolução, esta quinta-feira foram a votação 21 propostas, oriundas das bancadas parlamentares do BE, PCP, PS, PSD e CDS. Pelo caminho ficaram apenas duas: a intenção do BE de fazer depender a atribuição de benefícios fiscais à Zona Franca da Madeira da criação de mais empregos, tal como o Negócios tinha avançado, e a proibição de pagamentos aos offshores não cooperantes. 

 

Aprovadas, para agora serem consensualizadas entre os partidos na discussão na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFM), saíram três blocos de propostas.

 

Uma delas passa pela proibição de emissão de novas acções ao portador e a progressiva transferência dos actuais títulos para valores nominativos. Trata-se de uma proposta inicialmente apresentada pelo BE, que entretanto foi acompanhada pelo PS, que apresentou outra redacção, e que mereceu a abstenção do CDS e do PSD.

 

Um segundo conjunto de propostas refere-se à limitação dos pagamentos em numerário. A proposta inicial também partiu do BE, e levou a uma reacção do PS, que avançou com uma medida análoga ainda mais restritiva, e também à apresentação de uma iniciativa semelhante por parte do CDS/PP.

 

Uma terceira proposta, oriunda do PCP, vem subir a taxa de tributação autónoma e a taxa de retenção na fonte em IRS para transacções mantidas com entidades sedeadas na lista negra de paraísos fiscais ou para entidades cujo beneficiário efectivo não é conhecido. Estão em causa alterações aos artigos 71º, 72º e 73º do Código do IRS, que agravam a taxa de IRS dos actuais 35% para os 50%.

 

Daqui parece poder-se concluir que, embora os contornos finais ainda tenham de ser limados, estas três medidas têm pernas para andar.

 

De resto, o PSD viu aprovada a sua intenção de avançar com o cartão verde a nível europeu, embora ainda não seja clara a eficácia prática da medida, bem como a criação de um registo central de beneficiários efectivos – uma realidade que já está prevista na quarta directiva de prevenção ao branqueamento de capitais.

 

À espera desta directiva, que entretanto a Comissão Europeia já mostrou vontade de actualizar, como avançou ao Negócios a comissária europeia para a área em entrevista recente, ficam também propostas do Bloco de Esquerda no sentido de alterar a definição de beneficiário efectivo.

 

"Olha, um offshore!"

O debate que dá o pontapé de saída para a discussão sobre o reforço da transparência nas transacções nacionais e internacionais foi agendado a pedido do Bloco de Esquerda, que sublinhou que Portugal já testemunhou vários escândalos financeiros e fiscais - BPN, no BPP, no BCP, Finantia, BES, Swiss Leaks, Luxemburgo Leaks, Panamá Papers – mas reage a cada um deles como se fosse o primeiro.

 

Nesse sentido, e segunda a caricatura usada por Mariana Mortágua, os actores políticos portugueses assemelham-se à Dori, o peixe do filme animado Nemo, que sofre de amnésia e com tudo se espanta como se fosse a primeira vez.

 

Segundo a deputada, "os offshores não são regimes legítimos abusados por pessoas sem escrúpulos. São o expoente de uma economia sem escrúpulos que põe em causa a legitimidade das sociedades democráticas e das regras que estas livremente constituem". A situação merece, por isso, um combate mais "feroz", a menos que os decisores políticos "prefiram continuar a portar-se como a querida Dori, sempre a espantar-se de novo, sempre como se fosse a primeira vez: 'Olha! Um offshore!'".

Zona Franca da Madeira: PS promete legislar sobre transparência

O PS recusou as propostas do BE dirigidas à Zona Franca da Madeira, mas garante que, no início da próxima legislatura, avançará com propostas para o reforço da transparência e do seu modelo de gestão.

João Paulo Correia, deputado do PS, jusitificou o chumbo das pretensões bloquistas, com o facto de "os diferentes quadros de benefícios fiscais terem sido sujeitos à aprovação formal da Comissão Europeia ao abrigo do Regime de Auxílios de Estado e ao reconhecimento, pela OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico]".  Mas reconheceu que o "modelo societário e de governação" da Zona Franca madeirense, "cujo contrato de concessão foi assinado em 1985", deve ser revisto.

"Não podemos deixar de reconhecer a necessidade de reforçar a fiscalização do cumprimento da atribuição dos benefícios fiscais e introduzir mais transparência na relação informativa entre a Zona Franca e a Autoridade Tributária.

Não tendo aberto o jogo sobre intenções concretas, deixou contudo a promessa de "apresentar uma iniciativa legislativa já no início da próxima sessão". 

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