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Fisco vai mesmo ter acesso a saldos e juros bancários
O parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados sobre a troca de informações financeiras vai ser acolhido na generalidade pelas Finanças, mas não põe em causa a solução de fundo, diz o Governo. A partir de 2017 o Fisco terá acesso a saldos e rendimentos financeiros.
O Governo vai levar em consideração as apreciações feitas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) mas não vai recuar substancialmente nas novas regras que dão acesso ao Fisco aos saldos e rendimentos de aplicações financeiras de todos os cidadãos residentes em território nacional. A troca de informações, que já vem sendo preparada há vários meses a nível nacional e internacional, é mesmo para avançar.
Os esclarecimentos das Finanças surgem na sequência de uma peça do Jornal de Notícias, que repete informação que já havia sido dada pelo Jornal de Negócios em Julho, segundo a qual a CNPD considera que o alargamento do âmbito de acesso do Fisco a informação financeira dos cidadãos viola a Constituição.
Numa reacção inicial, as Finanças começam por explicar que "as recomendações específicas de alteração do texto formuladas pela CNPD, que não contendem com a solução de fundo, estão em análise na sequência do processo de consulta e serão na generalidade acolhidas no texto final". Depois, num esclarecimento subsequente solicitado pelo Negócios, fonte oficial do gabinete de Fernando Rocha Andrade concretiza até onde pretendem ceder.
São quatro as recomendações da CNPD que as Finanças dizem ter intenção de acolher, a saber: "vedar expressamente o acesso por terceiros, qualquer que seja a sua natureza jurídica, aos dados assim obtidos pela AT; reafirmar a necessidade de decisão da Comissão Europeia ou de parecer da CNPD para a transmissão de dados a países terceiros ao abrigo das obrigações internacionalmente assumidas por Portugal; reforçar as medidas de segurança relativas à informação em causa; e assegurar o cumprimento das regras de protecção de dados pessoais por quaisquer entidades subcontratadas pelas entidades financeiras".
Quanto a tudo o mais, é para avançar. Não só porque o parecer da CNPD não é vinculativo, mas também porque a CNPD já tinha mostrado reservas semelhantes em momentos anteriores que a Assembleia da República não acolheu (e, "em matéria fiscal e de acesso a informações, a AT está estritamente vinculada ao cumprimento da legislação aprovada pela Assembleia da República enquanto a mesma vigorar na ordem jurídica portuguesa") e ainda porque uma parte do que consta do novo diploma decorre de compromissos internacionais assumidos pelo Estado português com os Estados Unidos, com a OCDE e com a União Europeia, sustentam as Finanças.
Como argumento suplementar, as Finanças aduzem que "a OCDE avaliou recentemente, em relação a um conjunto de Estados, os poderes das respectivas Administrações Fiscais no acesso a dados bancários [tendo concluído que] em Portugal esses poderes são dos mais reduzidos entre os países avaliados - no mesmo patamar que países como Andorra, Curaçao e Santa Lucia", territórios que não se destacam pela transparência fiscal.
O que está em causa
Em causa está o diploma aprovado pelo Governo e já adiantado pelo Negócios, que prevê que, em 2017, as instituições financeiras passem a enviar anualmente ao Fisco informação sobre saldos e rendimentos de aplicações financeiras dos seus clientes (os movimentos não estão incluídos). Com esta informação, o Fisco faz uma de duas coisas: os dados referentes aos residentes, fica com eles para análise própria, nomeadamente para detectar divergências entre o rendimento declarado e o efectivamente ganho; os dados referentes aos não residentes são exportados para o país de residência. Do mesmo modo, o Fisco passará a receber de um conjunto alargado de países estrangeiros informação sobre as poupanças que os residentes em Portugal tenham no exterior.
Esta iniciativa não é nacional: teve um impulso inicial dos Estados Unidos, que impuseram ao mundo o FATCA (acrónimo de Foreign Account Tax Compliance Act) , e foi subsequentemente desenvolvida e generalizada no âmbito da OCDE e da Comissão Europeia, existindo mesmo uma directiva que agora foi transposta – ou seja, há uma parte destas regras que resultam de compromissos internacionais.
No que o Governo inova é ao ampliar o âmbito da comunicação de dados também aos residentes em Portugal com aplicações financeiras cá, tal como o Negócios teve oportunidade de explicar ainda em Janeiro deste ano.
O objectivo desta ampliação é não criar o paradoxo de o Fisco estar a passar mais informações ao estrangeiro e receber do estrangeiro mais informações do que aquela que tem sobre os seus próprios residentes. Isso mesmo é reiterado pelas Finanças na resposta enviada esta quarta-feira ao Negócios, ao dizer que "admitindo-se a obtenção da informação para envio a outros países, então, por maioria de razão, dever-se-á admitir também a sua utilização pelas autoridades do nosso país em condições equivalentes e não-discriminatórias".
O objectivo destas regras é dar mais arsenal às administrações fiscais para detectarem a existência de património dissimulado, como o que vem sendo revelando nalguns escândalos internacionais. Falta saber se as autoridades tributárias terão capacidade para processar tanta informação que passarão a receber.
Não obstante a posição assumida pela CNPD desde a assinatura do acordo FATCA pelo anterior Governo, foram aprovados pela Assembleia da República o referido acordo, o regime de comunicação das informações financeiras e a autorização legislativa do OE 2016 que habilita o Governo a transpor a diretiva DAC2,
concedendo à Administração Fiscal portuguesa o acesso a informação equivalente à que será transmitida às entidades estrangeiras.
Sem prejuízo da importância do contributo da CNPD, que sobre esta matéria tem apresentado sugestões importantes (umas acolhidas pelo anterior Governo, outras cujo acolhimento está a ser ponderado pelo atual Governo), aquele assume precisamente a forma de parecer, tendo em vista apoiar a decisão legislativa. Em matéria fiscal e de acesso a informações, a Autoridade Tributária está estritamente vinculada ao cumprimento da legislação aprovada pela Assembleia da República enquanto a mesma vigorar na ordem jurídica portuguesa.
As questões suscitadas pela CNPD, que incidem sobre o acordo FATCA, sobre a Diretiva e sobre a equiparação no acesso da AT, não se colocam exclusivamente a nível nacional. Com efeito, a Diretiva vincula todos os Estados-Membros, tendo sido a nível interno discutida em cada um dos países a sua compatibilidade com o acervo em matéria de proteção de dados. O mesmo se passa com o acordo FATCA, tendo sido celebrados acordos de idêntica natureza pela generalidade dos países a nível mundial.
Admitindo-se a obtenção da informação para envio a outros países, então, por maioria de razão, dever-se-á admitir também a sua utilização pelas autoridades do nosso país em condições equivalentes
e não-discriminatórias.