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Bruxelas obrigará o Luxemburgo a corrigir eventuais ilegalidades
O actual presidente da Comissão Europeia e antigo primeiro-ministro do país não quer falar publicamente sobre alegados "acordos secretos" e "cartas de conforto" oferecidos pelo Estado luxemburguês a grandes multinacionais. Diz apenas que se Bruxelas detectar práticas ilegais, o país terá de avançar com "acções correctivas".
A Comissão Europeia afirmou nesta quinta-feira que se as suspeitas de celebração de "acordos secretos" entre o Luxemburgo e grandes multinacionais para fugirem aos impostos no país de origem se confirmarem, o país terá de accionar medidas "correctivas".
"Se a decisão for negativa [para o país], o Luxemburgo terá de tomar acções correctivas", disse a porta-voz do novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, quando questionada sobre a notícia dada por um conjunto de jornais internacionais sobre a celebração de acordos secretos entre o país e centenas de multinacionais como a Pepsi, Deutsche Bank, IKEA ou Burberrys e Heinz, com o objectivo de evitarem a tributação no país de origem e conseguirem um sistema fiscal muito mais vantajoso.
As notícias surgem na sequência de um relatório de um grupo de jornalistas de investigação - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, no original em inglês) - de 26 países e que inclui repórteres do britânico The Guardian, do francês Le Monde e do germânico Suddeutsche Zeitung, que mostra como centenas de empresas multinacionais conseguiram, através de complexos esquemas financeiros e fiscais, pagar impostos extremamente baixos sobre os lucros que declaravam, nalguns casos inferiores a 1%.
O novo presidente da Comissão Europeia, que foi primeiro-ministro do Luxemburgo durante os últimos 19 anos, enfrenta, assim, o primeiro grande teste com a divulgação destes documentos, e já afirmou que tem "uma ideia muito clara" sobre estas práticas, mas garantiu que não iria dizer nada para não afectar a investigação, já que "isso seria indecente".
O actual primeiro-ministro, por seu lado, já garantiu que todas as práticas fiscais luxemburguesas "decorrem do direito internacional", rejeitando qualquer irregularidade no relacionamento com as multinacionais.
A investigação em curso em Bruxelas sobre as práticas fiscais do Luxemburgo, nomeadamente sobre se o próprio sistema fiscal aplicado às empresas configura uma 'ajuda do Estado' - uma prática ilegal à luz dos regulamentos da União Europeia -, já tinha sido lançada em Outubro face à relação da Amazon e do braço financeiro da Fiat com o país, mas conhece agora novos desenvolvimentos com a divulgação de centenas de documentos pelo ICIJ.
A investigação está a cargo da nova comissária da Concorrência, Margrethe Vestager, que substituiu o espanhol Joaquin Almunia, acrescentou a porta-voz de Juncker, sublinhando que "Vestager irá fazer o seu trabalho, não há mais nada que possa ser feito; ela vai pegar nos dossiês de Almunia" e decidir.
Esta não é a primeira vez que Bruxelas abre processos de investigação à relação entre empresas e o Estado. Casos semelhantes foram abertos na Irlanda, por acordos fiscais com a Apple, e na Holanda, pela sua relação com a Starbucks.
De acordo com a versão publicada no Guardian, por exemplo, os acordos fiscais entre as empresas e o Luxemburgo são "perfeitamente legais", mas mostram uma deturpação do sistema fiscal europeu: "É como levar o plano fiscal ao Governo para ser aprovado e abençoado previamente", comentou um professor de Direito Fiscal da Universidade de Connecticut, à investigação do ICIJ.
As empresas agora investigadas pelo ICIJ procediam à criação de holdings ou filiais no Luxemburgo, com muito pouca actividade e número reduzido de funcionários e para as quais são depois canalizados os seus lucros, ficando a perder os estados onde esses lucros são efectivamente obtidos.
Em causa estão acordos fiscais que abrangem operações e magnitudes de diferentes naturezas e que vão desde a deslocalização da sua sede para o Luxemburgo, à abertura de empresas locais destinas especificamente à realização de aquisições de outras empresas. O objectivo é sempre o mesmo: pagar o imposto mais reduzido possível, generosamente concedido pelo Luxemburgo.
Por outro lado, os documentos consultados pelo ICIJ revelam que, em muitos casos, o Luxemburgo era apenas um elo da cadeia de complexos esquemas de evasão fiscal que envolviam vários outros centros financeiros off shore.
Quase sempre as empresas envolvidas obtiam uma espécie de "cartas de conforto" do próprio estado luxemburguês, garantia de que teriam efectivamente o tratamento fiscal mais favorável que pretendiam. Essas cartas de conforto aparecem também entre os documentos do ICIJ. Ao todo, há 548 "cartas de conforto" assinadas entre 2002 e 2010 e todas negociadas pela PwC.
Para qualificar as empresas para as benesses fiscais concedidas pelo Luxemburgo, os consultores fiscais da PwC avançavam com estratégias que passavam, por exemplo, pela criação de empresas dentro de um mesmo grupo, entre as quais seria possível transferir lucros, sem que estes fossem tributados, de acordo com a lei luxemburguesa.
"É uma espécie de terra da fantasia mágica", comentou outro fiscalista, ouvido na investigação dos jornalistas, referindo-se aos baixíssimos impostos que as empresas pagam sobre os lucros que obtêm. Em causa está a prática dos chamados 'Acordos Fiscais Preliminares', que determinam, através de negociação entre o Governo e uma determinada empresa, como essa empresa será taxada caso decida ter actividade fiscal no país.
Entre os aspectos curiosos da investigação está a descrição de uma só morada no Luxemburgo, que é a sede de 1.600 empresas, e a preciosa ajuda da consultora PriceWaterhouseCoopers na obtenção de um número considerável de decisões fiscais favoráveis.