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"Luxemburgo Leaks" revela fuga ao Fisco de 300 multinacionais
Investigação jornalística mostra que mais de 300 grandes empresas canalizaram milhares de milhões de euros através do Luxemburgo onde se aproveitavam de acordos fiscais secretos. A investigação é conhecida na semana em que Jean-Claude Juncker, o ex-primeiro ministro luxemburguês, iniciou o seu mandado à frente da Comissão europeia.
O caso está já a ser conhecido como "Luxemburgo leaks" e é o resultado de uma investigação levada a cabo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ) e que envolveu mais de 80 jornalistas em 20 países. O ICIJ teve acesso a milhares de documentos oficiais e secretos que esta quinta-feira, 6 de Novembro, aparecem divulgados em vários jornais europeus, como o The Guardian, no Reino Unido, o Le Monde, em França, o Süddeutsche Zeitung, na Alemanha, a televisão pública do Canadá, a Canadian Broadcasting Corporation ou o Asahi Shimbun, do Japão.
Em causa estão mais de 300 empresas, incluindo grandes multinacionais como a Apple, a Amazon, a Ikea, a Heinz, a Pepsi ou o Deutsche Bank, que, aproveitando os regimes fiscais mais favoráveis no Luxemburgo, negociavam acordos secretos com o governo local e, desta forma, fugiam aos impostos em vários outros países. A assessorá-las estava a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), interlocutora privilegiada com o executivo luxemburguês.
O ICIJ teve acesso a mais de 28.000 documentos relativos a acordos fiscais até agora mantidos secretos e que foram assinados no período entre 2002 e 2010 entre o Grão-Ducado do Luxemburgo e 340 grandes empresas, todas elas clientes da PwC.
Os documentos mostram como gigantes da Net, das telecomunicações ou do grande consumo se aproveitavam das flexíveis regras fiscais do Luxemburgo para, ao mesmo tempo, violarem normas internacionais, canalizando para aquele país europeu muitos milhares de milhões de euros que, desta forma, acabam por ser tributados de uma forma muito mais reduzida.
Juncker no olho do furacão
A investigação não podia vir a lume numa pior altura para Jean-Claude Juncker, o novo presidente da Comissão Europeia, que, juntamente com a sua equipa de 27 comissários, deu início precisamente esta semana ao seu mandato de cinco anos.
Ora, Jean-Claude Junker foi primeiro-ministro luxemburguês durante 18 anos, o que o coloca no centro do furacão, já que era o homem que liderava o pequeno país europeu quando foi negociada a maior parte dos acordos fiscais agora revelados pelo ICIJ.
Recentemente, numa entrevista a uma televisão alemã, hoje citada pelo Irish Times, Juncker defendeu que o sistema fiscal luxemburguês estava em "conformidade total com a legislação europeia". E garantiu que "nunca ninguém apresentou provas convincentes e concretas de que o Luxemburgo é um paraíso fiscal".
Por outro lado, o resultado da investigação do ICIJ, com a divulgação dos documentos, é conhecido numa altura em que a Comissão Europeia se mostra cada vez mais crítica de regimes fiscais favoráveis criadas pelos Estados membros.
Aliás, no início deste ano, a própria Comissão avançou com várias investigações a regimes fiscais em vigor na Irlanda, Holanda e Luxemburgo e envolvendo, respectivamente, a Apple, a Starbucks e a Fiat. Mais recentemente, foi a vez de a Amazon ser também investigada.
Como é que as empresas agiam?
Os investimentos através do Luxemburgo, agora investigados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), eram mediados pela consultora PricewaterhouseCoopers (PwC) que apresentava ao fisco luxemburguês um plano com uma proposta de tributação que, diz o ICIJ, chegava a merecer aprovação no próprio dia. Quase sempre as empresas envolvidas obtinham uma espécie de "cartas de conforto" do próprio estado luxemburguês, garantia de que teriam efectivamente o tratamento fiscal mais favorável que pretendiam. Essas cartas de conforto aparecem também entre os documentos do ICIJ. Ao todo, há 548 "cartas de conforto" assinadas entre 2002 e 2010 e todas negociadas pela PwC.
Que tipo de acordos eram feitos?
Cada empresa podia aproveitar as flexíveis regras luxemburguesas para negociar acordos à sua medida. O ICIJ avança com vários exemplos de esquemas, em que as empresas procediam à criação de holdings ou filiais, com muito pouca actividade e número reduzido de funcionários e para as quais eram depois enviados os seus lucros, ficando a perder os estados onde esses lucros eram efectivamente obtidos. Um exemplo dado é o da empresa americana FedEx Corp, baseada em Memphis (EUA), que criou duas filiais no Luxemburgo para canalizar para lá os proveitos das suas operações no México, França e Brasil e, posteriormente, enviá-los daí para Hong Kong. Os valores passavam do México para o Luxemburgo e, aí, o acordo permitiu que fossem taxados só 0,25% dos valores, deixando isentos os restantes 99,75%.
Estas práticas fiscais são ilegais?
Não exactamente, a menos que se chegue à conclusão que, ao beneficiar fiscalmente determinadas empresas, se está perante aquilo a que a Comissão Europeia chama "ajudas de estado", que violam as regras europeias da concorrência. Há algumas investigações em curso, promovidas pela Comissão Europeia, que abrangem não só o Luxemburgo, como a Irlanda e a Holanda. A comissária europeia para a concorrência disse esta quinta-feira, na sequência da divulgação do "Luxemburgo leacks", que estará "vigilante para impor controlo dos auxílios estatais". Aos seus clientes, a PwC dizia que o Grão-Ducado era um país com "autoridades flexíveis e amigáveis", "facilmente contactáveis" e com "processos de decisão rápidos". Filomena Lança