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Itália tem 48 horas para explicar a Bruxelas incumprimento das regras
Já chegou às autoridades italianas uma carta em que a Comissão Europeia nota que Itália não inverteu a trajetória de aumento da dívida pública. Roma tem agora dois dias para explicar por que motivo a dívida voltou a aumentar em vez de diminuir como estipulado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Coligação de governo mostra focos de divisão.
Na missiva, o órgão executivo da União Europeia confirma estar a ponderar preparar um relatório sobre a dívida pública italiana, ação que pode levar à abertura de um procedimento disciplinar ao país. Tal decisão só poderá ser tomada a 5 de junho, dia em que a Comissão Europeia faz recomendações aos Estados-membros tendo por base as projeções de Primavera. Uma hipótese que ficará dependente da capacidade transalpina para prestar explicações consideradas satisfatórias por Bruxelas.
A carta, a que a imprensa teve acesso, salienta que Itália "não fez os progressos suficientes ao longo de 2018 para respeitar os critérios da dívida". As regras previstas no PEC estabelecem que o país tem de reduzir o défice estrutural em 0,6 pontos percentuais e diminuir anualmente a dívida em 1/20 da diferença entre o atual nível (132%) e o teto de 60% do PIB estipulado pelas regras.
Na resposta, Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro italiano, manteve o que já dissera na terça-feira considerando que os responsáveis europeus deviam "deixar-se de cartinhas" e "concentrarem-se em criar empregos". Nas últimas semanas o líder da Liga tem vindo a sinalizar a vontade de "furar alguns limites" impostos pelas regras europeias de forma a criar a margem orçamental necessária à promoção do crescimento económico e da criação de postos de trabalho.
A dívida pública italiana, a segunda mais elevada na Zona Euro, só atrás da Grécia, era de 131,4% do PIB em 2017 e cresceu para 132,2% em 2018, sendo que as projeções de Primavera da Comissão estimam um aumento para 133,7% neste ano e para 135,2% em 2020.
Dado que no ano passado a dívida voltou a aumentar em vez de recuar, a Comissão Europeia quer agora que Tria explique quais os "fatores relevantes" que explicam o porquê desta trajetória ascendente que contraria o rumo inscrito no orçamento para 2019 consensualizado em dezembro com Bruxelas. Roma tem até à próxima sexta-feira, 31 de maio, para responder.
Além da possível abertura de um novo procedimento por défices excessivos (que tem de ser aprovado pelo Ecofin), a Comissão poderá aplicar uma coima de até 3,5 mil milhões de euros a Itália, medida que, para ser adotada, exige aprovação pelo conjunto dos ministros das Finanças da União.
Durante o braço de ferro, no inverno passado, entre Roma e Bruxelas a propósito da proposta orçamental italiana, a instituição liderada por Jean-Claude Juncker admitiu instaurar um PDE a Itália com base em previsões que apontavam para o incumprimento das regras. No entanto, agora existem dados concretos que atestam o não cumprimento, pelo que ganha força um cenário em que Itália perca autonomia orçamental.
Se as metas para o crescimento do PIB transalpino eram consideradas demasiado otimistas pela Comissão, o desenrolar de 2019 tem confirmado as más perspetivas de Bruxelas. O próprio governo transalpino já trabalha com uma meta para o crescimento da economia de apenas 0,1%, bem abaixo dos 1% inscritos no orçamento. A deterioração do quadro macroeconómica levou a Comissão a rever as estimativas, prevendo agora défices de 2,5% do PIB neste ano e de 3,5% em 2020.
Fricção com UE e governo tremido
A perspetiva de nova confrontação com Bruxelas não surge no melhor momento para o governo eurocético chefiado por Giuseppe Conte. É que as eleições europeias de domingo abriram novas brechas no seio da coligação. Enquanto a Liga de Salvini duplicou a votação face às legislativas de março do ano passado, garantindo o estatuto de maior partido italiano, o 5 Estrelas de Luigi Di Maio, que venceu há um ano, passou a terceira força.
Devido ao mau resultado, Di Maio decidiu submeter-se a uma moção de confiança junto dos militantes do 5 Estrelas. O resultado é incerto, mas certo é que o 5 Estrelas parece estar a perder apoio com a entrada no governo, precisamente o contrário do que sucede com a Liga. Por outro lado, Di Maio opõe-se a um novo confronto com as instituições europeias, desde logo pelos efeitos adversos decorrentes da subida dos juros da dívida.
A inversão na relação de forças entre os aliados conjunturais de governo leva os analistas italianos a considerar a possibilidade de rutura. O primeiro-ministro Conte já veio a público assegurar que não está em causa a estabilidade e a continuidade deste inédito governo de aliança, porém nesta fase é precipitado avançar com qualquer tipo garantia que remeta para lá do curto prazo. Salvini continua a disparar para todos os lados, incluindo contra o parceiro de governo, o que não é de estranhar porque a realização de novas eleições tenderia a reforçá-lo.