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Douzinas: Europa arrisca novo conflito “interétnico” mas também está a emergir um “arco de virtude”

O académico Costas Douzinas considerou, em entrevista à Lusa, que a Europa arrisca um novo conflito "interétnico" e definiu o referendo de domingo na Grécia como um momento decisivo para o reforço de um "arco de virtude".

Reuters
04 de Julho de 2015 às 13:30
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"Se a Grécia perder no confronto com os credores, o que agora é apresentado como uma luta de classes democrática tornar-se-á num conflito interétnico entre povos europeus, portugueses ou gregos contra alemães, e que já começou. Assim, os portugueses e os gregos vão começar a acusar os alemães, e vice-versa", considerou o académico, de 64 anos, director do Instituto Birkbeck para as Humanidades em Birkbeck, na universidade de Londres.

 

Num café da zona central de Atenas, e confessando algum cansaço "após um recente regresso e Londres e algumas entrevistas", o investigador grego com formação em Direito e há cerca de quatro décadas radicado em Londres, sustenta uma alteração do paradigma político no velho continente, onde as questões económicas deixarão de ser resolvidas pela política "tornando-se numa questão étnica e que já começou de resto com os ataques dos jornais tablóides alemães contra os gregos".

 

Nesta perspectiva, considera que o "fantasma das duas guerras mundiais está a regressar", ao recordar um recente artigo publicado no diário britânico The Guardian e assinado pelo editor de economia, Larry Elliot, no qual se considera que a crise na Grécia pode ser o "momento de Sarajevo" para a zona euro, numa alusão ao atentado de 28 de Junho de 1914 que espoletou a I Guerra Mundial.

 

"Neste referendo está em causa o futuro da Europa, da União Europeia (UE). As duas grandes conquistas da UE, a pacificação entre a Alemanha e os restantes Estados europeus após duas guerras mundiais, e um compromisso no pós-grande guerra entre capitalismo e democracia, entre o mercado e o princípio de justiça social podem estar em causa", assinalou.

Conhecido pelos seus trabalhos de investigação em torno dos Direitos humanos, Jurisprudência crítica, Teoria legal pós-moderna ou Filosofia política, Costas Douzinas sublinha que "o grande sucesso da UE em juntar diferentes povos e nações e a tentar curar as feridas do passado será reaberto".

 

Para o académico, são essas duas conquistas garantidas após a II Guerra Mundial que estão em jogo no referendo de domingo.

 

"Se a Grécia for impelida para o Grexit [saída da zona euro] ou para um compromisso totalmente inaceitável com os credores europeus e o FMI [Fundo Monetário Internacional], o que agora é apresentado como uma transferência de recursos do norte em direcção ao sul para equilibrar um desigual e injusto equilíbrio comercial", um "contrato" entre o norte o sul da União, deixará de existir.

 

"Caso fique demonstrado que as elites europeias não estão preparadas para aceitar a forte opinião do povo grego, e manterei a mesma opinião mesmo que o "não" seja derrotado, então ficará aparentemente claro para todos que não é democracia nem a soberania popular que mantém a UE unida, mas antes as decisões dos mercados e dos credores", defende.

 

Numa alusão à actual situação interna no seu país, e às decisões "que podem destruir um povo", assinala que na Grécia "existem em simultâneo falhanço económico e catástrofe humanitária devido aos resultados destas políticas" promovidas por responsáveis internos e externos.

 

"Se a ideia de convocar eleições ou um referendo para decidir o futuro for atacada e tentar ser destruída, a segunda conquista da UE, essa espécie de casamento difícil entre capitalismo e democracia, entre mercado e justiça social, começará a ruir", afirma.

 

E sublinha: "Nessa medida, para além do futuro da Grécia e do povo grego o que estará em jogo será também o futuro da UE e o futuro da esquerda, incluindo na sua expressão social-democrata".

 

Costas Douzinas assinala ainda a "situação sem precedentes" relacionada com as pressões "não apenas dos líderes da oposição interna, mas também o ‘establishment' europeu" desde o anúncio da convocação do referendo em 27 de Junho pelo Governo do partido da esquerda radical Syriza, e que deverá pronunciar-se sobre o acordo proposto a Atenas pelos credores internacionais.

 

"Demonstra a importância desta situação na nossa história, demonstra que os líderes dominantes na Europa estão de facto assustados com a vitória contra a austeridade".

 

No entanto, o académico também denota "momentos optimistas" com o surgimento do que define como "arco de virtude", confirmado pelas recentes eleições na Turquia quando uma "coligação de curdos, esquerdas, feministas, partidos ecológicos" retirou a maioria absoluta a Recep Tayyip Erdogan e ao seu partido "que desde 2002 dominava a política turca com essa espécie de neoliberalismo islâmico, capitalismo islâmico extremo".

 

A situação na Grécia, as eleições municipais em Espanha, a subida eleitoral do Siin Féin na Irlanda ou a vitória do SNP na Escócia são considerados pelo académico momentos de viragem e apesar do reforço, em particular no norte europeu, de formação xenófobas e de extrema-direita.

 

"Na Escócia tivemos o que se pode designar por síndroma Syriza. O SNP, um velho partido, passou de seis lugares em 2010 para 56 dos 59 lugares para o parlamento de Londres. E o SNP foi o partido que utilizou o Governo do Syriza como um modelo totalmente positivo e que deveria ser adoptado pelo povo escocês", frisa.

 

Um "arco de virtude" que, para Costas Douzinas, "fornece de novo a esperança de que a história, que terminou em 1989, começou de novo a mover-se".

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