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Virgolino Faneca: um "you're fired" por dia não sabe o bem que lhe fazia

Donald Trump não demite por dá cá aquela palha, mas sim por razões médicas substantivas. Virgolino Faneca, com a prosápia do costume, explica o racional da coisa de forma clara e irrefutável.

Bloomberg
16 de Março de 2018 às 17:00
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Prezada Judite

Pedes que elabore sobre a enxurrada de demissões que tem marcado a presidência de Donald Trump e perguntas-me se é normal que isso aconteça. Pois que é assim, Judite. Só podes perceber o presente se olhares para o passado e se o fizeres com muita atenção vais concluir que o Presidente norte-americano está a agir em consonância com a sua natureza.

Ou seja, quem está surpreendido revela falta de conhecimentos e um desprezo pela história, e devia ser punido em conformidade, passando uma tarde inteira a conversar com Tony Carreira sobre o idealismo transcendental de Kant, ou a tomar chá com a Lili Caneças enquanto debate o racionalismo cartesiano.

Como certamente reconhecerás, são punições duras, e como não te quero ver sujeita a elas, aqui vai o código para decifrares o enigma.

Lembras-te daquele "reality show", "O Aprendiz", quando era apresentado por Donald Trump? E recordas-te do que ele dizia quando queria despachar algum dos candidatos a trabalhar numa das suas empresas? "You're fired", ou seja, está despedido. O agora Presidente dos EUA mais não faz do que transferir o seu estatuto de mestre dos aprendizes para a Casa Branca, com a nuance de que em alguns casos as pessoas tomam a iniciativa de se demitirem só para não o ouvirem dizer "you're fired". O secretário de Estado, Rex Tillerson, não foi a tempo e zás, disse adeus à Casa Branca como um "está despedido" colado na testa. Há quem atribua este despedimento a uma vingança, devido ao facto de Rex, alegadamente, ter chamado imbecil a Donald, mas esta é uma leitura que não me convence, até porque ninguém se ofende com a verdade.

Na minha modéstia, o líder norte-americano está adicto à expressão "you're fired" e tem de a usar de vez em quando para não ficar com sintomas de privação, estado que o poderia levar a ter atitudes menos sensatas, o que como sabes não é o caso. Aliás, Stormy Daniels, que em 2007 foi distinguida com o prestigiado Penthouse Pet of the Month e ganhou, entre muitos outros, o prémio de melhor actriz secundária pelo seu desempenho poderoso em "Camp Cuddly Pines Powertool Massacre", um filme que consegue magistralmente conciliar dois géneros, o terror e a pornografia, poderá também dar umas achegas sobre o assunto, na medida em que foi despedida de "O Aprendiz" mesmo antes de lá entrar. Isto é, Stormy pode contar a experiência inédita de ouvir a expressão "you're fired" sem escutar antes as palavras "you're hired", atestando assim a efectividade da adição de Trump.

Face ao exposto, Judite, convirás que o Presidente norte-americano se tem pautado por um comportamento compatível com o seu perfil psicológico e é arriscado contrariá-lo, não vá ele carregar no botão vermelho a pensar que só mata o Kim Jong-un. É deixar como está, um despedimento aqui, outro acolá, e as coisas vão-se passando. Julgo até que os despedimentos feitos pelo Presidente norte-americano acabam por ser bons para os visados. Ter no currículo "demitido por Donald Trump" abre melhores oportunidades de emprego em postos aprazíveis do que ter lá escrito "professor convidado na Universidade da Califórnia, em Berkeley".

Esperando ter esclarecido cabalmente as tuas dúvidas,

Um beijo repenicado deste teu,

Virgolino Faneca



Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.



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