Notícia
Virgolino Faneca ensina a Mário uns belos e úteis truques orçamentais
Virgolino Faneca dá umas dicas de inquestionável relevo para Mário concluir com êxito a elaboração do Orçamento. Vale tudo, até pedir ajuda à Maria Luís e ao Vítor e ir a Bruxelas tomar café.
Sei que andas num afã para concluíres o Orçamento do Estado para 2018, sendo que, julgo (perdoa a petulância), te poderei ajudar a concluir com êxito esse desiderato, na medida em que eu próprio (poderia ser eu impróprio, mas não sou) estive a fechar as contas do mês no meu livro de Inverno produzido pela imorredoura Papelaria Emílio Braga (um enorme bem-haja para ela), chegando à triste conclusão de que a coluna do deve é sempre mais robusta do que a do haver. Por isso, Mário, sei o que deves sentir em relação à dívida pública, na medida em que, sempre que entra mais guito nos cofres do Estado, tens logo os teus colegas e também os afamados geringonços, de mão estendida, a pedirem mais.
Sem mais delongas, aqui vão as minhas excelentes sugestões (poderia escrever inigualáveis, mas acontece que estou sempre a exceder-me e sou um poço de modéstia, sem fundo, claro está).
Podes começar com um truque básico. Partindo do pressuposto de que o Orçamento é como um mapa no qual se revela para onde o país está a ir, faz umas manigâncias no dito, criando a ilusão de que as cidades são mais perto do que na realidade (ou seja, de que a despesa é menor do que efectivamente é), podes tirar uns concelhos (depois voltas a pôr quando te der jeito, tipo cativações) e ainda pintares as fronteiras das ditas cujas (despesas) com aquela tinta vermelha dos espiões que desaparece passado uns tempos, o que te permitirá ires alterando as referidas sem que ninguém dê pela tramóia.
Uma outra via que deves ter muito em conta é a da rubrica das receitas extraordinárias. Imagina que os cofres públicos estão mesmo exauridos depois de satisfazer as clientelas todas (imagino que fiques com calafrios só de pensar nisso). Assim sendo, pões o torreão do Ministério das Finanças à venda e resolves dois problemas de uma só penada, a Madonna consegue encontrar uma casa em Lisboa com vista de rio e mar e o Estado uma receita extraordinária para tapar os buracos que certamente surgirão.
Um outro contributo que classifico como estruturante é baseado na premissa filosófica (desconfio que socrática e, se não é, vem mesmo a calhar) de contar com o ovo no cu da galinha, o que neste caso significa dar como garantido que o Estado vai receber os 58 milhões de euros que pede aos acusados da Operação Marquês (entre os quais se encontra um outro filósofo, pós-modernista, que responde pelo nome de José Sócrates) e começar a gastar por conta disso. Enquanto o dinheiro não chega, podes sempre colocar esta despesa na coluna dos pendentes.
Para terminar, uma ideia mesmo bestial (afinal, sou uma grande besta). Pede ao Vítor Gaspar e à Maria Luís Albuquerque para fazerem uma versão alternativa do Orçamento para 2018, assim cheia de medidas duras e impopulares, colocas essas propostas a circular como se fossem as verdadeiras e depois zás, apresentas o verdadeiro Orçamento, mais brando, e sais como um herói.
Se nada disto correr bem, podes sempre dizer ao António Costa que vais beber um café a Bruxelas e acabas por ficar lá a presidir ao Eurogrupo, dando a desculpa que ainda não te deram troco do dito porque pagaste com uma nota de 50.
Esperando que estas estonteantes propostas tenham utilidade, despeço-me.
Atentamente,
Virgolino Faneca
Quem é Virgolino Faneca
Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.