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Virgolino Faneca deixa de escrever sobre futebol por questões de saúde

O epistológrafo aguarda a resposta musical de Ana Malhoa a Luciana Abreu para poder dissertar sobre a importância da boa música na formação dos jovens.

18 de Maio de 2018 às 17:00
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Caro Euclides

Amigo, pedes-me o impossível, que fale sobre futebol, quando não há nada a falar sobre o dito. Aliás, o meu sobrinho Paragrafino já me tinha avisado, tio, as tuas epístolas estão a tornar-se monotemáticas, só escreves sobre futebol, futebol e futebol. Já nem tentas uma piada sobre o Kim ou um trocadilho fácil à volta da palavra Trump. Olvidaste o potencial mofante da Maria Leal, não exercitas a tua faceta viperina sobre os políticos, estás totalmente vidrado nesse desporto esférico e nos seus protagonistas, a tal ponto que pareces tolhido por uma doença mental daquelas que exigem o uso das camisas brancas com velcros.

Acontece, amigo Euclides, que o meu predilecto Paragrafino tem carradas de razão. No futebol, um tipo nem precisa de exercitar as células cinzentas para descobrir um assunto, está tudo ali, de mão beijada, é só escolher e zás, sai uma epístola para a mesa três, acompanhada por umas alcagoitas e a respectiva mini, sendo até permitida uma certa boçalidade, de forma a nivelar a coisa.

Por isso, estimado, entrei num processo de tratamento que passa por me desintoxicar do futebol (e também, por uma questão de actualidade, do andebol). Em matéria de desporto, só abro duas excepções, uma para o curling, outra para snooker, que tu certamente considerarás, de forma errónea, modalidades soporíferas.

Claro que podia perorar sobre o senhor Bruno e uns energúmenos que agrediram jogadores do Sporting, porque isso não é futebol, mas sim bestialidade em estado puro. Mas nem a tal me atrevo, porque é impossível ironizar sobre acontecimentos tão dantescos e protagonistas de grandiosa mediocridade. Aliás, depois deste pensamento pecaminoso fui ver um vídeo que anda pelas redes onde se vê o filho do futebolista Marcelo, no balneário, a dar toques de cabeça com os jogadores do Real Madrid, para me alimentar a esperança de que um dia as coisas poderão ser diferentes.

Posto isto, o que te posso assegurar, amável Euclides, é que amanhã estará um bom dia se porventura não chover e que é muito provável que o Presidente Marcelo comente um assunto qualquer, por exemplo, a transformação de Vítor Constâncio de banqueiro em blogger intelectual, ou a queda de um turista da muralha do castelo de Óbidos, circunstância que pode beliscar a imagem externa de Portugal, ou ser apenas uma imprudência do dito.

Também te podia adiantar que a Luciana Abreu fez uma música de apoio à selecção nacional, cantada metade em português, metade em castelhano, o que faz sentido porque Portugal e Espanha se vão defrontar na Rússia, mas isso seria quebrar a minha promessa de tornar o futebol um tema tabu.

Olha, Euclides, neste momento sinto-me na caverna alegórica criada por Platão e triste por assim me encontrar, derivado do facto de considerar que há gente mais merecedora de estar num lugar escuro, húmido, cujos nomes não escreverei para não cair em tentação.

Só espero que na próxima semana a "la bomba" Ana Malhoa responda musicalmente à Luciana Abreu, para poder dissertar sobre a importância da boa música na formação dos jovens.


Um adeus português deste teu,

 

Virgolino Faneca



Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.



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