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Virgolino Faneca escreve a Manuel por causa da tartaruga

Será que Ana Leibovitz vai fotografar Manuel Pinho? Será que a tartaruga do ex-ministro está relacionada com o Tartufo de Molière? Virgolino Faneca disseca estas e outras inquietações.

04 de Maio de 2018 às 17:00
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Caro Manuel

Escrevo com o intuito de esclarecer um pormenor do caso que o envolve, sendo que só é um pormenor para aqueles que eventualmente possuirão um cérebro de dimensão mais reduzida. E esse pormenor, de transcendente relevância, tem que ver com o nome escolhido para a fundação através da qual (alegadamente, nunca esquecer esta palavra) terá recebido uns dinheirinhos do GES.

Aliás, custa-me a entender o desinteresse dos investigadores no cabal esclarecimento desse pormenor que se pode revelar decisivo para qualquer tipo de julgamento, embora seja obviamente omisso naquela minudência da ética.

A questão é só (o só é aqui humildade fingida) esta: foi mesmo ideia sua baptizar a offshore como Tartaruga Foundation e sediá-la no Panamá?

Efectivamente, este está longe de ser um assunto de lana-caprina, até porque as tartarugas não têm pêlo, mas outrossim uma problemática de elevado teor substantivo. Vejamos. Se escolheu tartaruga, isso joga a seu favor na medida em que, como se sabe, a tartaruga é um animal lento. Neste sentido, os seus recebimentos não foram mais do que uma forma cautelosa de salvaguardar o futuro, amealhando como se tivesse todo o tempo do mundo. A tartaruga não precisa de fugir e por isso mexe-se com vagar, com a certeza de que chegará ao seu destino, pelo que esta é uma carapaça que lhe convém.

Acresce ainda o facto de ser uma fundação, o que remete para um universo de benfeitoria e desapego, circunstâncias abonatórias, até porque não está ao alcance de qualquer um ter o rasgo de criar uma fundação para se ajudar a si próprio, enquanto vai encomendando uns fatos à medida ao alfaiate panamiano, que pelo caminho (graças à sua experiência) pode também dar umas dicas sobre como é viver entre quatro paredes, uma delas com uma janelinha gradeada, e depois reconstruir a vida.

O que pretendo saber, caro Manuel, é se a fotografia agora construída com palavras (e sei como morre de amores por esta arte) é correcta, de modo a agir em conformidade. Citando Roland Barthes, "o 'punctum' de uma foto é esse acaso que, nela, me punge (mas também me mortifica, me fere)." Caso o seu "punctum" seja efectivamente a Tartaruga Foundation, far-se-á luz sobre o assunto. Se assim for, estou disposto a ficar do seu lado, jurando a pés juntos (mas fazendo figas atrás das costas, não vá o diabo tecê-las) de que não existe qualquer incompatibilidade em receber dinheiro de um grupo privado enquanto se exerce o cargo de ministro, argumentando que você, enquanto tartaruga com poderes de ninja, sempre olhou para o Ricardo Salgado como uma espécie de mestre Splinter.

E não ligue ao facto de o PS dizer que está envergonhado consigo, como se de repente tivesse acordado do coma, porque a realidade é que não tinham outro remédio e você sempre é um alvo mais fácil do que o engenheiro Sócrates, na medida em que é independente e os seus acessos de fúria se esgotam na língua gestual, enquanto os do ex-primeiro-ministro são mais telúricos.

Julgo que também deve tomar em consideração a hipótese de comparar a sua tartaruga com o Tartufo de Molière, lembrando que a peça do francês se mantém actual "ao denunciar males eternos e universais, como a corrupção, a hipocrisia religiosa, a ocupação de cargos de mando e relevo por espertalhões", considerações que a sua tartaruga veio de novo colocar no centro das suas atenções, contribuindo assim para um profundo debate sobre estas matérias. Ou seja, Manuel, você teve um comportamento altruísta de forma a expor males que de outra forma permaneceriam silenciados.

Penso que estes contributos, singelos, o poderão ajudar na construção de uma narrativa inspirada na obra de Robert Mapplethorpe. Quem sabe, no fim de tudo isto, ainda vai acabar fotografado pela Annie Leibovitz. É ter fé, porque devagar vai a tartaruga ao longe.


Um amplexo deste seu,

 

Virgolino Faneca



Quem é Virgolino Faneca

Virgolino Faneca é filho de peixeiro (Faneca é alcunha e não apelido) e de uma mulher apaixonada pelos segredos da semiótica textual. Tem 48 anos e é licenciado em Filologia pela Universidade de Paris, pequena localidade no Texas, onde Wim Wenders filmou. É um "vasco pulidiano" assumido e baseia as suas análises no azedo sofisma: se é bom, não existe ou nunca deveria ter existido. Dele disse, embora sem o ler, Pacheco Pereira: "É dotado de um pensamento estruturante e uma só opinião sua vale mais do que a obra completa de Nuno Rogeiro". É presença constante nos "Prós e Contras" da RTP1. Fica na última fila para lhe ser mais fácil ir à rua fumar e meditar. Sobre o quê? Boa pergunta, a que nem o próprio sabe responder. Só sabe que os seus escritos vão mudar a política em Portugal. Provavelmente para o rés-do-chão esquerdo, onde vive a menina Clotilde, a sua grande paixão. O seu propósito é informar epistolarmente familiares, amigos, emigrantes, imigrantes, desconhecidos e extraterrestres, do que se passa em Portugal e no mundo. Coisa pouca, portanto.



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