Notícia
Política cultural. À espera de Godot?
"Nada a fazer" - assim arranca o diálogo na peça assinada por Samuel Beckett. Quando se fala de estratégia para a Cultura em Portugal, diz o sector, quase se podia inverter a deixa: há tudo por fazer. A falta de financiamento é crónica e o Ministério da Cultura não tem verdadeira autonomia. Para os artistas, não é só uma questão de dinheiro: quando passaremos a olhar a actividade de criação como um serviço público, comparável a uma ida ao médico?
Uma pausa para um gelado no Parque das Nações. Neste cenário, pouco provável, está a origem daquela que já é considerada a maior contestação do sector da Cultura em Portugal. "A primeira carta surge de uma forma até um bocadinho ingénua, a tentar reflectir sobre as coisas que se estavam a passar." Inês Pereira, actriz, vários meses a trabalhar sem receber, tentou passar para o papel aquilo que sentia. As palavras tornaram-se depois virais nas redes sociais. "Não estava à espera que atingisse aquela dimensão gigantesca. Era um pensamento que estava debaixo da língua de toda a gente", conta.
Tanto que, com os atrasos nos resultados dos apoios para os próximos quatro anos, o sector começou a organizar-se. Colocou-se então uma questão de fundo: pode falar-se de uma política cultural em Portugal? Alguma vez existiu?
"A resposta imediata é não. Não há uma política ponderada, justificada, séria. E não é de agora: as artes performativas sempre foram muito mal tratadas em Portugal", responde o investigador Rui Pina Coelho.
Os primeiros anos do novo milénio, entre 2000 e 2006, até permitiram respirar um pouco melhor, com o Programa Operacional de Cultura no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio. Contudo, o sector nunca teve margem financeira para atingir a "maturação necessária". "As necessidades dos públicos foram aumentando e o Estado não foi sendo capaz de acompanhar esse aumento", conta o teórico, ligado ao Teatro Experimental do Porto, uma das companhias consideradas não elegíveis nos últimos concursos.
Mesmo quando a Constituição diz que o Estado deve, "em colaboração com todos os agentes culturais, apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva", esse diálogo parece distante. Não é só uma questão de apoios, de dinheiro, mas sim de posição política.
"Nós, classe criativa, estamos prontos para que o nosso Governo crie uma política cultural séria e criativa, próxima de quem cria", assegura Albano Jerónimo. O actor está agora a trabalhar com a associação Crinabel, que apoia pessoas com deficiência. É um exemplo de como a arte pode favorecer a inclusão. "Tito Andrónico. Um Ensaio Sobre o Poder" estreia a 20 de Abril na Casa da Música, no Porto.
O que tem de mudar então? A forma como a arte é olhada: não como uma despesa, mas como um serviço público, ao lado daqueles que quase não se questionam. "É impensável um professor ou um médico não terem vencimento pelos serviços prestados. Porque estamos a falar de um serviço público, tal como na Cultura", compara Albano Jerónimo. Falta coordenar vontades, criar um pensamento comum, reflectir sobre o território. "Não há um levantamento neste país de estruturas culturais", exemplifica o actor. E aponta ainda o dedo a certas lógicas de programação: valerá o esforço e o investimento ensaiar dois meses para estar dois dias em cena?
Há é um enorme obstáculo para que se reformule essa política cultural. Inês Pereira vai directa ao assunto, como na carta aberta da pausa para um gelado: "Há um subfinanciamento que é crónico. Não podemos construir um prédio enorme sem saber como se vai construir." E, inclusive, pagar.
O duelo
Os atrasos e os moldes do último concurso trouxeram urgência ao debate. Para o período entre 2018 e 2021, estavam previstos 64 milhões de euros nos apoios sustentados da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), acima dos 45,6 milhões do quadro anterior.
Quando saíram os primeiros resultados, companhias como o Teatro Experimental do Porto, o Teatro Experimental de Cascais (TEC), a Casa Conveniente ou a Cão Solteiro não foram contempladas. Nenhuma estrutura de Coimbra ou Évora recebeu apoio. Os protestos saíram das redes sociais para a rua.
A polémica ganhou escala, ao ponto de o primeiro-ministro, António Costa, ter sentido necessidade de intervir. Fê-lo duas vezes, sempre para reforçar a verba inicial. Primeiro para 72,5 milhões, depois para 81,5 milhões no quadriénio. Apenas para este ano, o valor previsto passou de 15 para 19,2 milhões de euros - acima dos 18,5 milhões de 2009, ano que o sector tomava como referência.
São seis as áreas a concurso: artes visuais, circo contemporâneo ou artes de rua, cruzamentos disciplinares, dança, música e teatro. Só a última pesa cerca de metade dos apoios concedidos pela DGArtes. O valor solicitado para os próximos dois anos foi praticamente o dobro do atribuído, mesmo contando com o último reforço público. Das 242 entidades avaliadas, 140 foram apoiadas inicialmente. Com Costa a disponibilizar mais dinheiro, juntaram-se outras 43 - entre as "repescadas", está o TEC de Carlos Avilez.
Para a maioria das companhias, apoiadas ou não, há algo que não funciona: o novo modelo, que coloca estruturas de programação e festivais a concorrer de forma directa com companhias independentes, deixando as últimas em desvantagem. Depois, há que cumprir um conjunto de requisitos como serviço educativo, internacionalização ou comunicação, que algumas estruturas, pelo seu perfil, não podem preencher.
É o caso da Casa Conveniente de Mónica Calle, a trabalhar na Zona J de Chelas, um bairro marcado por assimetrias. "Parece que isso não tem critério de avaliação dentro do concurso", lamenta Inês Pereira, que colabora com o grupo em "Ensaio para uma Cartografia", um projecto a sete anos, que estreou mais uma etapa esta semana no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
"O Estado está a impor critérios de gosto que são economicistas. E a empurrar para modelos de produção que não são os de todos. No caso da internacionalização, é benéfica, mas não pode ser imposta ou inventada. Está a legislar-se um país que não existe", posiciona Rui Pina Coelho.
Outra das críticas recorrentes é o elevado grau de pormenor no preenchimento dos formulários. Inês Pereira recorre a uma piada ouvida entre colegas: "Quase tens de inscrever na candidatura a quatro anos quem te vai desmontar o cenário em 2021."
O avarento
Numa entrevista recente ao Negócios, Rui Vieira Nery, antigo secretário de Estado da Cultura de António Guterres, defendia que, em Portugal, "nem sequer existe um verdadeiro Ministério da Cultura. Existe um ministro sem ministério próprio, que está perdido nos meandros da Presidência do Conselho de Ministros (PCM)".
É preciso voltar a 2015 para compreender que hoje exista um ministro da Cultura - Luís Filipe Castro Mendes - com uma função meramente simbólica, sem autonomia administrativa e financeira, respondendo ao primeiro-ministro. No anterior governo de Pedro Passos Coelho, a pasta passou a Secretaria de Estado da Cultura, respondendo directamente à PCM. Assim se manteve com o seu Executivo que, em 2016, não aguentou mais do que poucos dias.
Após as promessas eleitorais de retirar o sector do esquecimento a que tinha sido dotado, António Costa concretiza, ao formar Governo, a criação de um Ministério da Cultura. Não obstante, essa estrutura continua debaixo do chapéu da PCM, tal como o ministro Adjunto, a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa e o ministro do Planeamento e Infra-estruturas.
Tal ajuda a explicar que António Costa tenha assumido o protagonismo neste caso. Fê-lo inclusive numa carta aberta, na qual lembrava que a política cultural ia além das verbas definidas no Orçamento do Estado (OE) - como a decisão de manter a colecção dos Miró na esfera pública.
Este é um jogo de números com muitas variáveis. Foquemo-nos no 1% que o sector pede para o peso da Cultura no OE. Só por si, a meta parece longínqua, tendo em conta que as despesas gerais previstas para o Ministério da Cultura, na ordem dos 300 milhões de euros, representam apenas 0,2% dos gastos públicos. Um valor regularmente citado, mas que não corresponde, de facto, à realidade. Porque o actual Governo decidiu integrar a pasta da Comunicação Social no orçamento da Cultura. É sobretudo para os apoios à RTP e Agência Lusa que vão cerca de 200 dos 300 milhões previstos na verba para este ministério.
Assim, o peso das despesas gerais do Estado com a Cultura - citando a documentação existente na Direcção-Geral do Orçamento e excluindo organismos autónomos - é de apenas 0,1%. Um valor em linha com 2009, ano considerado de referência, quando a Comunicação Social respondia a outra tutela.
É esse também o retrato dos últimos 10 anos: a Cultura nunca vai além de 0,1%. Contactado, o Ministério de Castro Mendes não respondeu às questões do Negócios.
Sonho de uma noite de verão
Na cauda da Europa: é assim que Portugal se posiciona nas questões da Cultura. Os dados do Eurostat mostram que, em 2016, o investimento em actividades recreativas, cultura e religião foi de 0,8% do PIB, abaixo da média europeia (1%). O investimento por cada português correspondeu a 130 euros, menos de metade dos 299 comunitários.
O interesse do público também não permite traçar um cenário animador. Já em 2013, o Eurobarómetro sobre Cultura revelava que apenas 6% dos portugueses admitiam um grande envolvimento em actividades culturais. Número com tendência de queda e longe dos 18% comunitários.
Um cenário explicado, entre outros motivos, pela fraca aposta na educação para as artes. Foi isso que notou Pedro Sousa Loureiro, cuja companhia, Os Pato Bravo, tem trabalhado nos últimos seis anos em regime de autofinanciamento, apenas com um apoio pontual da Fundação Calouste Gulbenkian. "Tem de vir desde o jardim-de-infância. Não podemos ser só nós, agentes artísticos, a pensar a política cultural. As pessoas têm de estar estimuladas", defende.
Para ajudar a pagar os seus próprios projectos artísticos, foi professor. Nessa altura, deu-se o embate (esperado) com a posição de um Estado que "coloca a produção artística como uma espécie de 'hobbie'". Inclusive na hora de pagar a quem forma as novas gerações para a importância da Cultura. "Antes da 'troika', dávamos duas horas de aulas por dia, depois passou para uma. E o valor por hora baixou." Sempre a recibos verdes.
São circunstâncias que não o fazem desistir. Nem a ele nem aos colegas. Mesmo que esse futuro seja incerto e uma nova política cultural tarde em se traçar. Como antecipam o que aí vem? "Olha, não sei. Eu nunca vou parar de criar, mas quero ter condições de o fazer", responde Pedro Sousa Loureiro. "Sou um optimista céptico, vou continuar a lutar", garante Albano Jerónimo. "Sou uma rapariga muito optimista", remata Inês Pereira.
Estarão eles à espera de Godot, do que não chega?
Tanto que, com os atrasos nos resultados dos apoios para os próximos quatro anos, o sector começou a organizar-se. Colocou-se então uma questão de fundo: pode falar-se de uma política cultural em Portugal? Alguma vez existiu?
Os primeiros anos do novo milénio, entre 2000 e 2006, até permitiram respirar um pouco melhor, com o Programa Operacional de Cultura no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio. Contudo, o sector nunca teve margem financeira para atingir a "maturação necessária". "As necessidades dos públicos foram aumentando e o Estado não foi sendo capaz de acompanhar esse aumento", conta o teórico, ligado ao Teatro Experimental do Porto, uma das companhias consideradas não elegíveis nos últimos concursos.
Mesmo quando a Constituição diz que o Estado deve, "em colaboração com todos os agentes culturais, apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva", esse diálogo parece distante. Não é só uma questão de apoios, de dinheiro, mas sim de posição política.
"Nós, classe criativa, estamos prontos para que o nosso Governo crie uma política cultural séria e criativa, próxima de quem cria", assegura Albano Jerónimo. O actor está agora a trabalhar com a associação Crinabel, que apoia pessoas com deficiência. É um exemplo de como a arte pode favorecer a inclusão. "Tito Andrónico. Um Ensaio Sobre o Poder" estreia a 20 de Abril na Casa da Música, no Porto.
O que tem de mudar então? A forma como a arte é olhada: não como uma despesa, mas como um serviço público, ao lado daqueles que quase não se questionam. "É impensável um professor ou um médico não terem vencimento pelos serviços prestados. Porque estamos a falar de um serviço público, tal como na Cultura", compara Albano Jerónimo. Falta coordenar vontades, criar um pensamento comum, reflectir sobre o território. "Não há um levantamento neste país de estruturas culturais", exemplifica o actor. E aponta ainda o dedo a certas lógicas de programação: valerá o esforço e o investimento ensaiar dois meses para estar dois dias em cena?
Há é um enorme obstáculo para que se reformule essa política cultural. Inês Pereira vai directa ao assunto, como na carta aberta da pausa para um gelado: "Há um subfinanciamento que é crónico. Não podemos construir um prédio enorme sem saber como se vai construir." E, inclusive, pagar.
O duelo
Os atrasos e os moldes do último concurso trouxeram urgência ao debate. Para o período entre 2018 e 2021, estavam previstos 64 milhões de euros nos apoios sustentados da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), acima dos 45,6 milhões do quadro anterior.
Quando saíram os primeiros resultados, companhias como o Teatro Experimental do Porto, o Teatro Experimental de Cascais (TEC), a Casa Conveniente ou a Cão Solteiro não foram contempladas. Nenhuma estrutura de Coimbra ou Évora recebeu apoio. Os protestos saíram das redes sociais para a rua.
A polémica ganhou escala, ao ponto de o primeiro-ministro, António Costa, ter sentido necessidade de intervir. Fê-lo duas vezes, sempre para reforçar a verba inicial. Primeiro para 72,5 milhões, depois para 81,5 milhões no quadriénio. Apenas para este ano, o valor previsto passou de 15 para 19,2 milhões de euros - acima dos 18,5 milhões de 2009, ano que o sector tomava como referência.
São seis as áreas a concurso: artes visuais, circo contemporâneo ou artes de rua, cruzamentos disciplinares, dança, música e teatro. Só a última pesa cerca de metade dos apoios concedidos pela DGArtes. O valor solicitado para os próximos dois anos foi praticamente o dobro do atribuído, mesmo contando com o último reforço público. Das 242 entidades avaliadas, 140 foram apoiadas inicialmente. Com Costa a disponibilizar mais dinheiro, juntaram-se outras 43 - entre as "repescadas", está o TEC de Carlos Avilez.
Para a maioria das companhias, apoiadas ou não, há algo que não funciona: o novo modelo, que coloca estruturas de programação e festivais a concorrer de forma directa com companhias independentes, deixando as últimas em desvantagem. Depois, há que cumprir um conjunto de requisitos como serviço educativo, internacionalização ou comunicação, que algumas estruturas, pelo seu perfil, não podem preencher.
É o caso da Casa Conveniente de Mónica Calle, a trabalhar na Zona J de Chelas, um bairro marcado por assimetrias. "Parece que isso não tem critério de avaliação dentro do concurso", lamenta Inês Pereira, que colabora com o grupo em "Ensaio para uma Cartografia", um projecto a sete anos, que estreou mais uma etapa esta semana no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
"O Estado está a impor critérios de gosto que são economicistas. E a empurrar para modelos de produção que não são os de todos. No caso da internacionalização, é benéfica, mas não pode ser imposta ou inventada. Está a legislar-se um país que não existe", posiciona Rui Pina Coelho.
Outra das críticas recorrentes é o elevado grau de pormenor no preenchimento dos formulários. Inês Pereira recorre a uma piada ouvida entre colegas: "Quase tens de inscrever na candidatura a quatro anos quem te vai desmontar o cenário em 2021."
O avarento
Numa entrevista recente ao Negócios, Rui Vieira Nery, antigo secretário de Estado da Cultura de António Guterres, defendia que, em Portugal, "nem sequer existe um verdadeiro Ministério da Cultura. Existe um ministro sem ministério próprio, que está perdido nos meandros da Presidência do Conselho de Ministros (PCM)".
É preciso voltar a 2015 para compreender que hoje exista um ministro da Cultura - Luís Filipe Castro Mendes - com uma função meramente simbólica, sem autonomia administrativa e financeira, respondendo ao primeiro-ministro. No anterior governo de Pedro Passos Coelho, a pasta passou a Secretaria de Estado da Cultura, respondendo directamente à PCM. Assim se manteve com o seu Executivo que, em 2016, não aguentou mais do que poucos dias.
Após os polémicos concursos, o sector da Cultura veio para a rua reivindicar 1% do Orçamento do Estado. A meta parece longínqua quando se faz a análise dos números da última década.
Após as promessas eleitorais de retirar o sector do esquecimento a que tinha sido dotado, António Costa concretiza, ao formar Governo, a criação de um Ministério da Cultura. Não obstante, essa estrutura continua debaixo do chapéu da PCM, tal como o ministro Adjunto, a ministra da Presidência e da Modernização Administrativa e o ministro do Planeamento e Infra-estruturas.
Tal ajuda a explicar que António Costa tenha assumido o protagonismo neste caso. Fê-lo inclusive numa carta aberta, na qual lembrava que a política cultural ia além das verbas definidas no Orçamento do Estado (OE) - como a decisão de manter a colecção dos Miró na esfera pública.
Este é um jogo de números com muitas variáveis. Foquemo-nos no 1% que o sector pede para o peso da Cultura no OE. Só por si, a meta parece longínqua, tendo em conta que as despesas gerais previstas para o Ministério da Cultura, na ordem dos 300 milhões de euros, representam apenas 0,2% dos gastos públicos. Um valor regularmente citado, mas que não corresponde, de facto, à realidade. Porque o actual Governo decidiu integrar a pasta da Comunicação Social no orçamento da Cultura. É sobretudo para os apoios à RTP e Agência Lusa que vão cerca de 200 dos 300 milhões previstos na verba para este ministério.
Assim, o peso das despesas gerais do Estado com a Cultura - citando a documentação existente na Direcção-Geral do Orçamento e excluindo organismos autónomos - é de apenas 0,1%. Um valor em linha com 2009, ano considerado de referência, quando a Comunicação Social respondia a outra tutela.
É esse também o retrato dos últimos 10 anos: a Cultura nunca vai além de 0,1%. Contactado, o Ministério de Castro Mendes não respondeu às questões do Negócios.
Sonho de uma noite de verão
Na cauda da Europa: é assim que Portugal se posiciona nas questões da Cultura. Os dados do Eurostat mostram que, em 2016, o investimento em actividades recreativas, cultura e religião foi de 0,8% do PIB, abaixo da média europeia (1%). O investimento por cada português correspondeu a 130 euros, menos de metade dos 299 comunitários.
O interesse do público também não permite traçar um cenário animador. Já em 2013, o Eurobarómetro sobre Cultura revelava que apenas 6% dos portugueses admitiam um grande envolvimento em actividades culturais. Número com tendência de queda e longe dos 18% comunitários.
Um cenário explicado, entre outros motivos, pela fraca aposta na educação para as artes. Foi isso que notou Pedro Sousa Loureiro, cuja companhia, Os Pato Bravo, tem trabalhado nos últimos seis anos em regime de autofinanciamento, apenas com um apoio pontual da Fundação Calouste Gulbenkian. "Tem de vir desde o jardim-de-infância. Não podemos ser só nós, agentes artísticos, a pensar a política cultural. As pessoas têm de estar estimuladas", defende.
Para ajudar a pagar os seus próprios projectos artísticos, foi professor. Nessa altura, deu-se o embate (esperado) com a posição de um Estado que "coloca a produção artística como uma espécie de 'hobbie'". Inclusive na hora de pagar a quem forma as novas gerações para a importância da Cultura. "Antes da 'troika', dávamos duas horas de aulas por dia, depois passou para uma. E o valor por hora baixou." Sempre a recibos verdes.
São circunstâncias que não o fazem desistir. Nem a ele nem aos colegas. Mesmo que esse futuro seja incerto e uma nova política cultural tarde em se traçar. Como antecipam o que aí vem? "Olha, não sei. Eu nunca vou parar de criar, mas quero ter condições de o fazer", responde Pedro Sousa Loureiro. "Sou um optimista céptico, vou continuar a lutar", garante Albano Jerónimo. "Sou uma rapariga muito optimista", remata Inês Pereira.
Estarão eles à espera de Godot, do que não chega?