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Rita Cabaço: “Afinal, quem é que nos atribui 1%?”

Rita Cabaço recebeu o prémio de melhor actriz em teatro pela Sociedade Portuguesa de Autores e é fundadora da companhia Teatro da Cidade. Num texto na primeira pessoa, expressa: “De que vale termos a comunidade artística de Norte a Sul do país a manifestar-se por esta causa se a grande maioria do público se desresponsabiliza e não vê a Cultura como um direito público?”.

Miguel Baltazar
14 de Abril de 2018 às 12:20
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A quem é que estamos a tentar convencer que a Cultura merece 1% do Orçamento do Estado? É ao secretário de Estado da Cultura? Ao ministro da Cultura? Ao primeiro-ministro? Ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa? Ora, paremos.

Imaginando um cenário em que estes quatro senhores acordam um dia alvoraçados, atormentados por um sonho. Nesse sonho, vivem num país falido de ideias, pensamento, arte, e passados alguns minutos, já depois da higiene pessoal, apercebem-se, agora acordados, de que esse país não pertence ao sonho, mas que é o país deles, é o nosso. E mesmo que nesse dia eles tentem remediar a situação e atribuam (imaginem a loucura) 1% à Cultura, mesmo assim, a Cultura não pode festejar. Porque aqueles a quem devíamos estar a exigir 1% para a Cultura, antes de exigirmos ao Estado, é ao público. De que vale termos a comunidade artística de norte a sul do país a manifestar-se por esta causa - que é nossa, é certo, mas é nossa primeiro enquanto cidadãos e depois enquanto artistas - se a grande maioria do público se desresponsabiliza e não vê a Cultura como um direito público? Leio comentários a notícias sobre o tema e percebo que estamos condenados. Não só não apoiam o aumento das verbas como viveriam bem se não existissem verbasde todo. Acreditam eles.

É verdade que não existem forças para ir ao teatro quando temos crianças a serem tratadas em corredores de hospitais. É verdade que depois de participar na manifestação de professores não temos cabeça para nada além da vida dentro da nossa própria casa. Sim, é verdade. É verdade também que depois de dias e dias entre a Segurança Social e o centro de emprego não sobra nada além de 1% de esperança em relação ao dia de amanhã. É verdade. Estamos falidos a todos os níveis. E isto também diz respeito a todos. É lamentável que hoje ainda nos perguntemos se a Saúde, a Educação ou a Cultura são ou não direitos públicos. E com certeza há também quem se sinta ofendido por ter colocado a Cultura no mesmo "saco dos indispensáveis" como a Saúde, a Justiça e a Educação. Mas a verdade é que o é. Tentem projectar um país sem cultura e digam-me o que encontram? Futebol, sim, em relação a isso podemos descansar que não vai desaparecer e ainda bem. Mas também ao futebol a Cultura diz respeito. E sabem porquê? Porque até o futebol é reflexo de um país culturalmente activo ou não. Porque num campo de futebol, onde jogam 22 homens ou mulheres de duas equipas diferentes, uma terceira equipa constituída por três árbitros, e se ouvem inúmeras línguas diferentes, tanto dentro de campo como nas bancadas onde estão aqueles que os apoiam incondicionalmente, aos jogadores digo, é preciso que existam comportamentos que provêm de homens e mulheres civilizados e culturalmente activos. Que se olham e ouvem independentemente do clube, língua, raça, religião, género, orientação sexual ou ideologia política, com respeito, com tolerância e com a consciência de que são acima de tudo um conjunto de indivíduos, cada um deles com o direito ao pensamento próprio e à sua voz. Isso é Cultura. É sobre estes temas que nos debatemos. É sobre isto que lutamos. Não é sobre dinheiro, é sobre civismo, é sobre a dignidade humana.


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