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Um passo atrás, para dar dois à frente?

Os desafios ambientais, sociais e de governação assumem proporções renovadas com os multivariados efeitos da guerra na Ucrânia. Um passo atrás, para dar dois à frente? Ou o fim de uma era?

23 de Setembro de 2022 às 14:00
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Pandemia, guerra, escassez de alimentos, inflação, secas, inundações e fogos. Os alertas chegam de todos os lados, colocando as estratégias de sustentabilidade das empresas sob pressão e perante objetivos frequentemente conflituantes, apesar de manterem as mensagens. E quando se precisava de mais dinheiro para enfrentar os desafios ambientais, sociais e de governação, a disponibilidade dos investidores parece estar a diminuir.

Limitar a subida da temperatura do planeta a 1,5 graus Celsius, reduzir a fome e a desigualdade ou não investir em energia fóssil e indústrias bélicas revelam-se hoje objetivos mais difíceis e desafiantes do que antes de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Salvar o capitalismo de si próprio, investir fazendo o bem, envolve atualmente uma fatura mais elevada, um maior sacrifício de lucros.

Não o fazer é desafiar o futuro, mas igualmente o presente pelo julgamento social. E países como os Estados Unidos da América começam a ser apanhados pelos conflitos entre radicais.

O último documento das Nações Unidas é especialmente dramático. "O mundo está a viver uma confluência de crises que ameaça a sobrevivência da humanidade", lê-se no relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2022.

Quase todos os objetivos ambientais, sociais e económicos degradaram-se, sem que exista ainda um retrato final dos efeitos da guerra na Europa.

A degradação do quadro geral de sustentabilidade é especialmente importante no ambiente e nas condições económico-sociais dos cidadãos. E é igualmente visível, no espelho, pelos movimentos de investimento, com as exigências da guerra a mobilizarem recursos, quer para a indústria da defesa como para a energia fóssil, os setores até agora malditos da sustentabilidade.

Visto de Portugal

Os empresários e gestores portugueses, especialmente os das grandes empresas, têm mantido em geral os seus investimentos e objetivos. Começam igualmente a identificar-se preocupações de sustentabilidade em empresas de menor dimensão, com especial relevo para as que têm relações comerciais com países mais exigentes, como os do Norte da Europa. Nas políticas públicas, e para já, o Governo parece estar mais concentrado na energia e na mitigação dos efeitos da inflação do que na mobilidade.

No domínio ambiental, é na produção de eletricidade, aquecimento das casas e nos transportes que Portugal tem a origem da esmagadora maioria das emissões de gases com efeito de estufa. Os números, que podem ser consultados em Our World in Data, revelam alguns progressos na redução de emissões na produção de energia, mas praticamente nenhum nos transportes. Além disso, Portugal já tem em média 30% da sua energia produzida a partir de fontes renováveis.

Os resultados nesta frente ambiental acabam por ser um retrato da estrutura do setor da energia - duas grandes empresas como a EDP e a Galp podem, com as suas políticas alterar significativamente as emissões. Mas refletem igualmente as prioridades do Governo, que tem estado mais focado na produção e menos na mobilidade, nomeadamente elétrica. O encerramento das centrais a carvão e a continuada aposta nas energias renováveis colocam Portugal numa boa posição no conjunto dos países europeus.

Ainda no domínio ambiental, Portugal está especialmente atrasado na economia circular e na gestão de resíduos, áreas que merecem um alerta na última análise ao país no âmbito do Semestre Europeu. A utilização circular de material regista os piores resultados no conjunto da UE (a 25.ª posição), mantendo-se estável desde 2015, em torno de 2,1% e 2,2%. E Portugal foi um dos países que falharam no objetivo europeu de reciclar metade dos resíduos em 2020, ficando por 28,9% em 2019 - últimos dados finais.

É no pilar social que Portugal, tal como hoje em dia o mundo, tem os maiores desafios de curto prazo. Depois da pandemia, a inflação e a subida das taxas de juro reúnem condições para agravar ainda mais as desigualdades. A alimentação e a energia pesam pelo menos metade nos orçamentos das famílias de mais baixos rendimentos e é aí que estão as maiores subidas de preços. Além disso, contrariamente ao que se passou na pandemia, as políticas públicas têm de ser mais prudentes para não agravarem a inflação e, no caso português, para não colocarem o país em risco de problemas financeiros, dado o seu elevado endividamento.

Os baixos salários e a fraca representação das mulheres em lugares de topo constituem outros dos aspetos em que Portugal precisa de fazer progressos. Um estudo recente da Fundação Calouste Gulbenkian revela que "a quase estagnação do salário médio em Portugal contribuiu para a descida do nosso país no ranking do salário anual médio da OCDE desde 2015 e, em 2019, Portugal ocupava a 3.ª pior posição de entre os países da União Europeia que integravam esse ranking". E, quanto à igualdade de género, só cerca de 16% das mulheres é que exerciam funções executivas para uma média de 20% na UE.

Salvar as estratégias ESG

Em termos globais, as estratégias empresariais e de investimento focadas no ambiente, no social e na governação têm estado sob forte controvérsia, levando a que recentemente a revista "The Economist" tenha defendido que o foco se devia limitar a objetivos ambientais, pela maior facilidade que existe em serem medidos e, logo, com menos margem para manipulações ("greenwashing"). O BCE e a União Europeia em geral têm feito um esforço para harmonizar as metodologias de medida, mas isso não tem impedido até agora que algumas empresas e fundos de investimento digam que fazem mais do que na realidade concretizam.

Mas aquele que é o maior desafio é conseguir limitar a subida da temperatura da Terra a 1,5 graus Celsius, relativamente à era pré-industrial, de acordo com os objetivos do Acordo de Paris, evitando o ponto de não retorno do aquecimento global. O conflito com a Rússia, embora tenha somado aos argumentos ambientais os da segurança, para reforçar os investimentos em energia renovável, está a determinar no curto prazo soluções que provocarão inevitavelmente um retrocesso. Pode ser um passo atrás, para dar dois à frente, tendência a que podemos igualmente assistir na frente social. Ou teremos chegado, como disse o Presidente francês, ao "fim de uma era da abundância"?

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