Opinião
Portugal, uma cobaia europeia na banca
O laboratório português revela que os "bail-ins" também têm um lado negro, nomeadamente sobre as PME; mostra que a linha vermelha das perdas para os credores parece está a ser traçada nos obrigacionistas seniores; lembra que os abusos dos bancos continuam a vir bater à porta dos contribuintes; e, finalmente, atesta que vale a pena explorar e desafiar os limites das regras europeias, que são mais flexíveis do que por vezes nos dizem. Haja engenho e vontade política.
Que não se deve desperdiçar uma boa crise para implementar políticas impopulares ou experimentais é uma máxima antiga entre políticos. No caso europeu a teoria passa mais rapidamente à prática se a cobaia for um pequeno Estado-membro, como Portugal. É por isso que nos anos da troika o país foi confrontado com várias engenharias para promover um corte de salários dentro de uma união monetária; e é também por isso que, desde então, o laboratório luso testou as novas regras de resolução e recapitalização bancária. Da experiência ficam algumas lições.
Comecemos pelo BES. Em 2014, Portugal estreou o "bail-in" num grande banco (isto mesmo antes das regras europeias o imporem), e forçou perdas a accionistas e detentores de obrigações júnior e aos outros bancos do sistema via Fundo de Resolução – que recebeu dinheiro adiantado via empréstimos dos contribuintes. A resolução teve depois uma segunda fase, no final de 2015, em que o Banco de Portugal seleccionou 5 linhas de obrigações seniores, uma das decisões mais polémicas da crise, que deixou Portugal numa situação ímpar no plano europeu, que ainda hoje está a pagar.
Um recente estudo permite tirar conclusões sobre o "bail-in" light do BES (primeira fase): por um lado, conclui que é possível impor perdas a credores e aspirar a disciplinar o mercado sem gerar pânico e contágio; por outro, sugere que podem ser inevitáveis efeitos negativos no emprego e investimento das PME, o que não tende a acontecer com "bail-outs". Ou seja, há efeitos positivos (para o mercado) e negativos (para a economia) nos "bail-ins", mesmo quando feitos na sua forma mais suave.
Saltemos agora para Dezembro de 2015 e para o Banif. A resolução culminou com a entrega ao Santander do negócio do banco madeirense repleto de garantias, capital injectado pelos contribuintes e vazio de activos problemáticos. O negócio, convém lembrar, foi feito à pressa, com o Estado entalado entre um gigante da banca espanhola sem pressão para comprar, e a pressão das novas regras europeias que entrariam em vigor em Janeiro de 2016 e forçariam perdas também a obrigacionistas seniores e até a depositantes acima de 100 mil euros. A resolução custou assim quase três mil milhões aos contribuintes – é caso para dizer que a cobaia pagou caro para fugir do laboratório.
Sobre esta operação não há nenhum estudo detalhado, mas aqui a lição é outra: algumas coisas nunca mudam ou, parafraseando Jean-Claude Juncker sobre outra grande economia, "Itália é Itália". É que em Junho deste ano, já com as regras europeias em vigor, o governo italiano avançou com uma operação em tudo semelhante à do Banif mas, com o acordo europeu e meses de negociações, poupou os obrigacionistas seniores e os depositantes. E se os contribuintes também não foram poupados, pelo menos o Tesouro italiano não foi forçado a vender um banco em 15 dias, como aconteceu em Portugal.
Finalmente, vale a pena dar nota da recapitalização da CGD negociada em 2016, um dossiê no qual o empenho do governo para garantir a natureza pública da injecção de capital – condição essencial para PCP e Bloco aceitarem – terminou com uma operação em geral bem-sucedida e apoiada pela Comissão Europeia, o que muitos achavam improvável. É certo que para isso os contribuintes foram chamados a pagar uma factura elevada, que inclui uma emissão de dívida pelo banco público com um juro acima de 10% (um preço que se justifica em parte pela decisão de queimar obrigacionistas no final de 2015).
Com estes desenvolvimentos, Portugal poderá terminar 2017 com a recapitalização da sua banca resolvida (isto se benevolentemente esquecermos as dívidas ao Fundo de Resolução e o nível recorde de crédito malparado) e pelo menos quatro lições sobre as regras europeias de ajudas de Estado e resolução e recuperação bancárias.
O laboratório português revela que os "bail-ins" também têm um lado negro, nomeadamente sobre as PME; mostra que a linha vermelha das perdas para os credores parece está a ser traçada a nível europeu nos obrigacionistas seniores; lembra que os abusos dos bancos continuam, pelo menos parcialmente, a vir bater à porta dos contribuintes; e, finalmente, atesta que vale a pena explorar e desafiar os limites das regras europeias, que são mais flexíveis do que por vezes nos dizem. Haja engenho e vontade política.
Comecemos pelo BES. Em 2014, Portugal estreou o "bail-in" num grande banco (isto mesmo antes das regras europeias o imporem), e forçou perdas a accionistas e detentores de obrigações júnior e aos outros bancos do sistema via Fundo de Resolução – que recebeu dinheiro adiantado via empréstimos dos contribuintes. A resolução teve depois uma segunda fase, no final de 2015, em que o Banco de Portugal seleccionou 5 linhas de obrigações seniores, uma das decisões mais polémicas da crise, que deixou Portugal numa situação ímpar no plano europeu, que ainda hoje está a pagar.
Saltemos agora para Dezembro de 2015 e para o Banif. A resolução culminou com a entrega ao Santander do negócio do banco madeirense repleto de garantias, capital injectado pelos contribuintes e vazio de activos problemáticos. O negócio, convém lembrar, foi feito à pressa, com o Estado entalado entre um gigante da banca espanhola sem pressão para comprar, e a pressão das novas regras europeias que entrariam em vigor em Janeiro de 2016 e forçariam perdas também a obrigacionistas seniores e até a depositantes acima de 100 mil euros. A resolução custou assim quase três mil milhões aos contribuintes – é caso para dizer que a cobaia pagou caro para fugir do laboratório.
Sobre esta operação não há nenhum estudo detalhado, mas aqui a lição é outra: algumas coisas nunca mudam ou, parafraseando Jean-Claude Juncker sobre outra grande economia, "Itália é Itália". É que em Junho deste ano, já com as regras europeias em vigor, o governo italiano avançou com uma operação em tudo semelhante à do Banif mas, com o acordo europeu e meses de negociações, poupou os obrigacionistas seniores e os depositantes. E se os contribuintes também não foram poupados, pelo menos o Tesouro italiano não foi forçado a vender um banco em 15 dias, como aconteceu em Portugal.
Finalmente, vale a pena dar nota da recapitalização da CGD negociada em 2016, um dossiê no qual o empenho do governo para garantir a natureza pública da injecção de capital – condição essencial para PCP e Bloco aceitarem – terminou com uma operação em geral bem-sucedida e apoiada pela Comissão Europeia, o que muitos achavam improvável. É certo que para isso os contribuintes foram chamados a pagar uma factura elevada, que inclui uma emissão de dívida pelo banco público com um juro acima de 10% (um preço que se justifica em parte pela decisão de queimar obrigacionistas no final de 2015).
Com estes desenvolvimentos, Portugal poderá terminar 2017 com a recapitalização da sua banca resolvida (isto se benevolentemente esquecermos as dívidas ao Fundo de Resolução e o nível recorde de crédito malparado) e pelo menos quatro lições sobre as regras europeias de ajudas de Estado e resolução e recuperação bancárias.
O laboratório português revela que os "bail-ins" também têm um lado negro, nomeadamente sobre as PME; mostra que a linha vermelha das perdas para os credores parece está a ser traçada a nível europeu nos obrigacionistas seniores; lembra que os abusos dos bancos continuam, pelo menos parcialmente, a vir bater à porta dos contribuintes; e, finalmente, atesta que vale a pena explorar e desafiar os limites das regras europeias, que são mais flexíveis do que por vezes nos dizem. Haja engenho e vontade política.
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