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Como escolher o sucessor de Carlos Costa

Dado o sentido de oportunidade socialista, a poucos meses do final do mandato de Carlos Costa em Junho, é natural que o Governo sinta resistência em ceder à proposta de António Costa. Mas é isso que deve fazer: ninguém deve chegar a cargos tão decisivos e que conferem quase total independência do poder político, sem antes prestar provas públicas perante os representantes dos cidadãos e, idealmente, convencer, além do Governo, o Parlamento e o Presidente da República.

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O PS quer que a nomeação do governador do Banco de Portugal deixe de ser feita exclusivamente pelo Governo e passe a ser competência do Presidente da República, após audição no Parlamento. É pena que só agora se tenham lembrado disso: afinal, os socialistas foram responsáveis pelas três últimas escolhas (Constâncio em 2000 e 2006, e Carlos Costa em 2010) e o desequilíbrio institucional era já bem conhecido. Em 2008, por exemplo, pós-escândalo BPN, já aqui mostrávamos no Negócios que eram poucos os países em que um banco central dependia tanto do Ministério das Finanças. Mas, como se costuma dizer, mais vale tarde do que nunca.   

 

A prática portuguesa, onde o governador é escolhido pelo Governo, é caso raro. Num dos principais estudos sobre o tema, publicado em 2008 pelo Banco Central Sueco, mostrava-se, por exemplo, que entre 98 bancos centrais, em mais de metade a nomeação do governador era competência do chefe do Estado, seguido do Parlamento (21%) e só depois do Governo (14%). A divisão do poder entre o Executivo (que muitas vezes propõe o nome) e outros órgãos de soberania (Presidente ou Assembleia da República) é o modelo mais comum no mundo, mostra outro trabalho publicado pelo FMI, que recomenda a prática.

 

O maior escrutínio é uma forma de forçar uma escolha mais exigente e transparente, o que é especialmente importante por duas razões no caso do banco central. Por um lado, não há hipóteses de arrependimento: o cargo é inamovível e blindado a influência política. Por outro, são poucas as instituições com tanto poder para mexer nas nossas vidas, seja de forma directa – votando em Frankfurt sobre juros, por exemplo – seja de forma indirecta, pela sua intervenção na supervisão bancária.

 

A este respeito, a audição no Parlamento é altamente recomendável. O Parlamento deveria ter tido a hipótese de questionar Constâncio, antes da recondução em 2006, sobre as prioridades em termos de supervisão bancária; ou de saber porque é que Carlos Costa, tendo estado envolvido no caso dos polémicos offshores do BCP, estava convencido de que conseguiria garantir independência no desempenho das funções; ou ainda perceber que potenciais conflitos de interesse poderão existir, por exemplo, na nomeação de Hélder Rosalino para a administração do banco, exactamente pelo mesmo Governo de que fez parte, e com a ironia de aí ter contribuído para reforçar de forma significativa os poderes de independência do banco central face aos políticos. Há explicações prévias que são necessárias para reforçar o contrato de confiança entre o cargo e a sociedade.

 

A passagem pelo Parlamento teria ainda a vantagem de exigir aos deputados que passem a olhar com mais atenção para uma área central da política económica à qual, tirando escândalos de supervisão, não tem prestado particular atenção. Por exemplo, nunca vi um parlamentar questionar por que razão a RTP, na sua obrigação de serviço público, não tem um jornalista em Frankfurt a fazer uma cobertura próxima dos trabalhos do BCE. E muito menos a exigir técnicos especializados no Parlamento para prestarem apoio em matérias monetárias e bancárias, o que faria milagres pela qualidade do debate.

 

Dado o sentido de oportunidade socialista, a poucos meses do final do mandato de Carlos Costa em Junho, é natural que o Governo sinta resistência em ceder à proposta de António Costa. Mas é isso que deve fazer: ninguém deve chegar a cargos tão decisivos e que conferem quase total independência do poder político, sem antes prestar provas públicas perante os representantes dos cidadãos e, idealmente, convencer, além do Governo, o Parlamento e o Presidente da República.

 

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