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As mentiras da Zona Euro: da Grécia a Portugal

Mário Centeno prevê para Bruxelas que a austeridade em Portugal seja expansionista e os gregos prometem uma consolidação que o FMI considera improvável e desaconselhável. 'Mente-me que eu gosto' parece ser um novo normal nas negociações políticas na Europa. A democracia é que paga.

Parece impossível mas é mesmo verdade: as contas mais recentes do ministro Mário Centeno confiam na polémica tese da austeridade expansionista, a mesma que o PS e o Governo negam que exista. A prova pode ser encontrada no programa de estabilidade enviado a Bruxelas na semana passada, onde o Governo promete mais crescimento em resultado das medidas de austeridade lá previstas. A explicação para tamanha contradição parece residir na tradição de mentiras económicas sobre as quais se ergue por estes dias a Europa. 

Nas contas do ministério das Finanças um cenário de manutenção das políticas de 2016 em 2017 produziria um défice orçamental de 2,3% do PIB; já o cenário com as medidas de consolidação, avaliadas em cerca  de 346 milhões de euros (menos de 0,2% do PIB, a que somarão mais 450 milhões do BPP) prevê que o défice público baixe em 0,8 pontos percentuais, para 1,4% do PIB. Um valor impressionante que só é possível se o défice baixar não só pelas medidas adoptadas, mas também pelo dinamismo económico gerado pelas elas próprias. Esta é a própria definição de austeridade expansionista.
 
Dado o desastre económico europeu dos últimos anos, são poucos os que hoje acreditam na polémica tese, e Mário Centeno não será um deles. Mas a verdade é que se trata de uma mentira conveniente para todos: assim, a austeridade pode ser pequena em Lisboa e o défice baixar muito em Bruxelas – ou em qualquer outra capital europeia.
 
Face a planos políticos impossíveis, este tipo de exercício ilusório está a tornar-se numa resposta tão frequente nas relações entre os vários governos  na Zona Euro que já quase parece normal. Mas não é, ou pelo menos não deveria ser. Sem números fidedignos e previsões razoáveis é impossível o escrutínio político e social essencial às democracias. A prazo este é um caminho perigoso, que desperdiçará a credibilidade que ainda resta ao processo político europeu e nacional.
 
O FMI – uma instituição com uma boa dose de experiência em contradições – já há muito percebeu o problema na Europa e está agora a usá-lo em seu favor nas negociações gregas, aproveitando para se afirmar como a entidade mais credível e razoável. Na carta que escreveu aos ministros das Finanças da Zona Euro no final da semana Christine Lagarde mostra isso mesmo.

Na perspectiva do Fundo, os gregos podem prometer muito no papel, mas a experiência mostra que dificilmente conseguirão sustentar um excedente orçamental primário (o que desconta a despesa com juros) superior a 1,5% do PIB a partir de 2018 (isto quando os Alexis Tsipras garantem que conseguirão atingir um excedente de 3,5% do PIB, e os governos do Eurogrupo fingem que acreditam). O FMI vai mais longe: tal excedente de 3,5% do PIB por muitos anos não só não possível, como não é desejável (aqui vale a pena lembrar que este é exactamente o excedente orçamental esperado para Portugal para as próximas décadas de acordo com as regras do Tratado Orçamental). Finalmente, Lagarde defende que seria melhor para todos, gregos, economias parceiras e credores, avançar com uma reestruturação da dívida que suavize o esforço de pagamento e reduzas os riscos de insustentabilidade (que nos próximos anos é até menor que o português).
 
Os próximos dias na Grécia, mas também as avaliações dos programas de estabilidade marcadas para meados do mês, ajudarão a perceber se a Europa tentará um trilho economicamente mais sensato e verdadeiro, ou se continuará a caminhar sobre mentiras como a austeridade expansionista em Portugal em 2017, ou a ideia de que a melhor solução para a Grécia passa por continuar a planear consolidações orçamentais improváveis e perigosas numa economia que encolheu 25% nos últimos anos.
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