Opinião
Este é um caso em que "se justifica um inquérito parlamentar à Santa Casa"
No habitual espaço de comentário na SIC, Luís Marques Mendes fala sobre a possibilidade de um inquérito parlamentar à Santa Casa, da decisão sobre o novo aeroporto, das eleições europeias e sobre a polémica no debate da AR. "Acho um exagero o coro de críticas contra Aguiar Branco. Até parece que cometeu um crime", comenta.
REFORMA DO ESTADO
- Periodicamente fala-se em reforma do Estado. E pergunta-se: como estamos? Quantas empresas públicas temos? E institutos públicos? Qual a situação de países de dimensão semelhante à nossa? Vale a pena refletir. Os dados impressionam:
- Temos 645 entidades no Estado Central: 172 empresas públicas; 120 institutos públicos; 134 estruturas atípicas (comissões e unidades técnicas); 103 fundos autónomos; 46 Direções Gerais; 38 órgãos consultivos; 32 estruturas de missão. Tudo com os respetivos administradores, diretores, assessores e afins.
- Na Suécia, país com população semelhante à nossa, há cerca de metade dos organismos que temos (316). Na Bélgica, país com população também semelhante à de Portugal, os números são ainda mais impressivos: apenas 70 organismos a nível federal.
- Ainda voltando ao retrato nacional, Portugal tem mais de 8 mil chefias na administração central. Um aumento de 25% desde 2012. Com esta curiosidade: no mesmo período, o número de funcionários aumentou 5%. Mas o número de chefias cresceu cinco vezes mais.
- Na frota automóvel do Estado, os números também são expressivos: à administração direta do Estado estão afetas 80% das viaturas (20mil); à administração indireta 18% (4700)
- Aqui chegados, há, pelo menos, três questões a colocar:
- Primeira: não seria tempo de revisitar este assunto, acabar com entidades redundantes e fundir organismos que têm competências sobrepostas? Manter tudo igual, só mesmo para servir as clientelas dos partidos.
- Segunda: talvez fosse oportuno perguntar quem fiscaliza e escrutina tantas entidades públicas. Formalmente, o Estado. Na prática, provavelmente ninguém.
- Terceira: e os riscos de corrupção? Quando o Estado é grande de mais, quando é opaco, não transparente nem escrutinado, o risco de corrupção é enorme. É tempo de fazer alguma coisa.
A SANTA CASA
- Primeiro apontamento: a Ministra Palma Ramalho prometeu e cumpriu. Prometeu que não ia colocar um político à frente da Misericórdia e cumpriu. Em vez de um político, escolheu um gestor. Deve ter tido muitas pressões em sentido contrário, mas fez bem em resistir.
- Segundo apontamento: vieram a público algumas questões sobre o passado do novo Provedor. Uma sobre a sua atuação como líder de um Banco em Moçambique: já foram esclarecidas. Não há caso. Outra sobre a sua atuação em nome da CGD, no chamado negócio de Vale de Lobo. Não há grandes elementos sobre o assunto. Mas o que houver a esclarecer convém ser esclarecido quanto antes.
- Terceiro apontamento: faz sentido ou não um inquérito parlamentar aos negócios internacionais da Santa Casa? Não sou a favor da banalização de inquéritos parlamentares. Mas há casos em que também não se podem excluir. Este talvez seja um caso em que se justifica um inquérito parlamentar à Santa Casa, a partir da gestão de Edmundo Martinho. Como pedem o Chega, a IL e o BE. É que ainda ninguém percebeu como é que a Santa Casa, que parecia financeiramente um poço sem fundo e um Estado dentro do Estado passou, de repente, para uma situação de quase falência técnica.
NOVO AEROPORTO
- No caso da semana, saiu tudo perfeito: para o país, para o Governo e para a oposição. Para já, correu tudo bem.
- O país ficou aliviado. Estava cansado de tantos debates e estudos. Há anos que desejava uma solução. O cansaço até esvaziou a potencial polémica. Quase não houve polémica.
- O Governo saiu-se bem: teve a coragem de decidir e talento para explicar bem a decisão. O PM e o Ministro foram corajosos e convincentes. Fizeram história. Decidir é mais difícil que estudar.
- A oposição também esteve bem. Em especial, o PS. O consenso foi muito alargado. E isto tem uma vantagem enorme. Com um consenso tão alargado, a decisão torna-se irreversível.
- Ultrapassada esta dificuldade, vem a próxima: quem paga?
- A resposta é fácil: quem vai pagar o novo aeroporto será a ANA, a empresa que gere os aeroportos, sem desembolso do OE.
- A questão mais difícil é saber, na negociação a fazer com a ANA, quais as contrapartidas que o Estado vai dar. Em tese, há três hipóteses. Primeiro, o alargamento do prazo da concessão. Não é fácil, porque Bruxelas torce o nariz. Segundo, a abdicação pelo Estado de receitas da concessão a que tem direito nos próximos anos. Terceiro, se a diferença entre o investimento e o acréscimo de receita daí resultante for negativo, esse valor poderá passar como um encargo para a concessão futura.
- Uma coisa é certa: com maior ou menor dificuldade, vai haver acordo. É do interesse de ambas as partes que haja acordo. É do interesse do governo, para cumprir a palavra de que nenhum Euro sairá do OE. E é do interesse da ANA, porque o negócio que os franceses têm em Portugal é um grande negócio. Não querem arriscar perder esta concessão.
DEBATE E POLÉMICA NA AR
- O primeiro debate quinzenal desta legislatura foi um exercício de campanha eleitoral. Da parte do Governo e da parte da oposição. Nada de anormal. Estamos a três semanas das eleições europeias mais importantes de sempre na política nacional. Dois destaques a reter:
- O debate correu bem ao PM. Primeiro, porque Montenegro é um bom parlamentar. Foi na AR que foi mais feliz até hoje. Depois, porque nestes debates os PM vencem sempre. Também foi assim com António Costa. Finalmente, porque o PM vinha para o debate com a boa embalagem da véspera: o anúncio do novo aeroporto.
- A grande vantagem do governo é ter a iniciativa política. Como nas duas últimas semanas tem tido. Se continuar assim até novembro, será difícil á oposição reprovar o OE e abrir uma crise política. O País não aprecia o derrube de um governo que está a governar e a resolver problemas.
- Entretanto, gerou-se uma polémica em torno de uma não intervenção do PAR, perante um discurso do Chega. A minha opinião é esta:
- Primeiro, acho um exagero o coro de críticas contra Aguiar Branco. Até parece que ele cometeu um crime. Não cometeu.
- Segundo, os deputados têm liberdade de expressão e nenhum PAR pode ser censor dessa liberdade. Mais do que óbvio.
- Terceiro, apesar disso, os deputados podem ser advertidos se usarem linguagem injuriosa ou ofensiva. Assim, nalgumas situações, perante excessos de linguagem, impõe-se fazer um reparo. Não para limitar a liberdade de expressão ou para retirar a palavra; mas para chamar a atenção para a linguagem menos própria utilizada. Entre o completo exagero de Santos Silva e o silêncio, pode e deve haver um meio termo.
SALÁRIOS E IRS
- Há mais vida para além da política e dos debates. Como mostrou esta semana o INE, divulgando os números da evolução dos salários dos portugueses no primeiro trimestre deste ano. Assim:
- Em comparação com o trimestre homólogo de 2023, houve, em média, um aumento real dos salários em 3,8% no primeiro trimestre deste ano.
- A generalidade dos setores teve um ganho real dos salários. Com particular destaque para a indústria extrativa, a saúde, o setor social, o alojamento e a restauração. A exceção é a banca e os seguros, onde houve queda real dos salários.
- Apesar disso, a banca e a energia continuam a ser os setores com salários mais altos. Por sua vez, é na agricultura e na restauração que se mantêm os salários mais baixos.
- A melhor notícia de todas é que, depois de um ano e meio de perdas reais dos salários (desde o 4º trimestre de 2021 até ao 1º de 2023) estamos a registar agora um ano inteiro de ganhos acima da inflação.
- Falando agora de IRS e do debate em curso no Parlamento:
- Vamos ter uma nova redução do IRS, mas o mais provável, ao dia de hoje, é que a redução não seja na base da proposta do Governo, mas sim da nova proposta do PS, que vai ter o apoio do PCP e do BE e provavelmente também do Chega.
- Qual é a grande divergência? O PS quer sobretudo uma redução maior dos escalões mais baixos. O Governo deseja que haja sobretudo uma redução mais significativa dos impostos sobre a classe média (sobretudo no 6º escalão). O acordo está dificil.
ELEIÇÕES EUROPEIAS
- Comecemos por ver as tendências eleitorais na UE a partir de uma sondagem feita nos 27 países da União:
- Os grupos de extrema-direita (ERC e ID) são os que mais podem crescer eleitoralmente;
- Os Verdes, Liberais e Socialistas são os que mais podem baixar;
- O PPE e a Esquerda (onde se integram o PCP e BE) têm tendência para estabilizar;
- Embora à justa, metade do hemiciclo europeu pode ser formado ao centro (PPE, Socialistas e Liberais).
- Cá dentro, dos três debates realizados, há a concluir:
- Primeiro: foram, todos eles, debates civilizados, com especial enfoque nas questões europeias.
- Segundo: apesar disso, não espero que estes debates tenham grande influência no voto dos eleitores. A maior parte das questões abordadas é de difícil compreensão para a maioria dos cidadãos.
- Terceiro: as prestações de cada um são bem diferentes entre si.
- Sebastião Bugalho foi o que mais surpreendeu: esteve assertivo e bem preparado.
- Marta Temido é melhor na rua que nos debates.
- Cotrim Figueiredo é um trunfo sólido.
- Catarina Martins e João Oliveira são escolhas seguras, mas ambos os partidos correm riscos de perder deputados.
- Francisco Paupério surpreendeu no primeiro debate, mas ficou aquém das expectativas nos outros.
- Tânger Correia é o campeão das barbaridades. A sua escolha é um erro de casting. Ventura, se pudesse, escondia-o durante a campanha.