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Rui Neves - Jornalista ruineves@negocios.pt 08 de Maio de 2013 às 00:01

Shame on you

"Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas" (Fernando Pessoa). Entre algumas cartas de amor que já escrevi, há uma que guardo na memória com especial carinho. Há uns anos, não interessa agora saber a quem nem o porquê, uma carta enviei que terminava mais ou menos assim: "Considere esta carta de amor como a mais ridícula que já passou pelos seus olhos."

Em causa estava o amor por um dos meus sobrinhos, então uma criança de 10 anos e hoje finalista de Bioquímica e que está a estagiar no prestigiado Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Sou um tio orgulhoso. Acontece que na mesma Universidade do Porto que o meu sobrinho frequenta, um seu colega foi assassinado na madrugada de sábado passado. "Nem sei que diga, não sei em que País vivo", escreveu o meu querido sobrinho no Facebook poucas horas depois.

 

Por momentos, dei por mim a pensar no que faria se, se, se... Que raiva! Olhei para a foto de Jacinto Correia e Maria Barbosa, pais do jovem assassinado, e estarreci. Que infeliz ironia: regressaram a Portugal vindos da Venezuela, fugindo do perigoso País onde estavam emigrados, para verem o seu filho Marlon (finalista de Desporto) assassinado numa noite de festejos académicos, em pleno recinto da Queima.

 

E com mais raiva fiquei quando registei a crueldade com que os colegas de Marlon decidiram desvalorizar a tragédia, prosseguindo com o programa das festas. A Federação Académica do Porto (FAP), promotora do evento, lamentou apenas o "incidente" e prestou-se a realizar umas homenagens ao falecido.

 

Mas parar a bebedeira dos festejos, nunca. Que triste figura. Onde é que está a solidariedade, o sentido de comunidade? Mas que raça de líderes estudantis - futuros médicos, advogados, empresários, jornalistas - são estes? É sabido que as federações académicas não servem para mais nada: organizam festas bem regadas, que movimentam milhões e enchem os bolsos dos organizadores.

 

Eis a única e exclusiva razão por que a FAP nunca equacionou, por um único momento, acabar com a farra em sinal de luto pelo assassinato de um dos seus - sim, é que o Marlon era um membro activo da FAP. Primeiro está o encaixe financeiro, porque há contratos cervejeiros e musicais a cumprir. A Queima vai e vem, a vergonha fica. Marlon, onde quer que estejas, pega lá um abraço do tamanho do amor dos teus pais por ti!

 

Coordenador do Negócios Porto

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