Opinião
Somos todos Grécia
"Vou responder-lhe com uma anedota. Uma mulher repara que o marido não dorme há vários dias. Ele diz-lhe que está muito preocupado porque deve dinheiro ao vizinho. Ela abre a janela e grita: ‘Ó vizinho! O meu marido diz que te deve dinheiro. Não podemos devolver’. Fecha a janela e diz: ‘Agora é o vizinho que não consegue dormir’".
A metáfora - mais trágica do que cómica - data de 2012, é de Sofia Sakorafa que, expulsa do Pasok por discordar do pacote de austeridade que acompanhou o primeiro empréstimo internacional de 110 mil milhões de euros à Grécia em 2010, ingressou nas fileiras do Syriza, e é hoje eurodeputada da esquerda radical.
De lá para cá, a Grécia teve de receber um segundo empréstimo de 130 mil milhões, obteve dos bancos o maior perdão de dívida de que há memória (mais de 60% do seu valor) e começa finalmente a sair das trevas da recessão (terá crescido 0,7% no ano passado e o desemprego começou a cair, embora ainda ronde uns insustentáveis 24% ). Pelo meio, muito mudou também no discurso da coligação de esquerda radical que lidera as sondagens para as eleições deste domingo.
O plano, diz agora Alexis Tsipras, seu líder, é permanecer no euro (desejo de 74% dos gregos), fazer uma negociação mais "realista" sobre a dívida (mas pelo menos metade, diz, tem de ser cancelada) e a conversa de sair da NATO afinal também não é para levar muito a sério. Em suma, o Syriza quer ser poder e sabe que para lá chegar – e, sobretudo, para lá se manter - tem de ser pragmático e ir metendo o "radical" na gaveta, mesmo arriscando dissidências.
E isso é bom. Porque o povo grego é soberano para escolher quem quer que o governe, mas quem quer que governe a Grécia não o é. Quando se partilha a mesma moeda e se governa um país com dinheiro emprestado por outros Estados está-se ainda mais em gestão partilhada. Quem quer que vença as eleições vai, muito provavelmente, ter de fazer alianças internas e tem de estar ciente de que partilhará esse poder com quase outras duas dezenas de governos.
As advertências da Alemanha, da Finlândia, da Bélgica, de Espanha ou da Eslováquia – país mais pobre e onde o salário mínimo é quase metade do praticado na Grécia – de que se recusarão a perdoar os empréstimos que fizeram à Grécia são, portanto, perfeitamente legítimas. Ao contrário da carta onde militantes do Bloco de Esquerda, entre outros, se solidarizam com "o povo grego porque a sua luta é a nossa também", não há nenhum aproveitamento eleitoral nem atestado de menoridade passado ao eleitorado grego quando, por exemplo, o primeiro-ministro eslovaco ou o seu colega finlandês avisam não estar na disposição de eventualmente ter de cobrar mais impostos para cobrir a parte do empréstimo à Grécia que o Syriza se julga no direito de não pagar, ao mesmo tempo que promete gastar mais 13,5 mil milhões de euros, subir o salário mínimo dos gregos para 750 euros e até desfazer algumas privatizações recentes.
Todos os governos têm a obrigação de zelar pelos interesses dos seus eleitores. E não há dinheiro grátis. O resto é demagogia. Se a Grécia não pagar a parte que foi garantida por Portugal – segundo o economista da Bloomberg, Maxime Sbaihi, Portugal é mesmo o país que mais tem a perder com um incumprimento grego – serão os contribuintes portugueses que, de uma forma ou de outra, terão de suportar essa factura.
Já um processo alargado e negociado de perdão mútuo de dívida, envolvendo todos os países do euro - como sugere Tsipras, ainda que numa comparação deslocada com a conferência de Londres, que cancelou metade do valor das reparações de guerra impostas à Alemanha após a I Guerra Mundial, e não dívida que o país tenha livremente contraído – faz sentido. É um trajecto que há anos está a ser pensado em Berlim (não em Atenas), sob o nome de "pacto de amortização de dívida", que terá, porém, de ser precedido pela transferência de mais poder para Bruxelas, designadamente de veto sobre os Orçamentos nacionais. Ninguém assume dívidas da casa do vizinho sem garantir um maior controlo sobre a gestão – e maior capacidade de intromissão – de todo o condomínio, certo? Mas sobre as contrapartidas a favor de uma federação europeia, o Syriza nada diz – como não diz, em bom rigor, quase nenhum partido em parte alguma.
Por tudo isso, não fica bem ao Syriza, ou a qualquer governo em Atenas, o discurso auto-vitimizador (e, portanto, acusador) para forçar um perdão da dívida grega, que é pesadíssima (177% do PIB), como é a portuguesa (130%), a irlandesa (115%), a cipriota (105%), mas também a italiana (132%) ou a belga (108%). Até porque, em dois anos, houve duas renegociações, com extensão de prazos, juros mais baixos e períodos de carência para o reembolso dos empréstimos, e desde Novembro de 2012 que está prometida uma terceira.
A condição então imposta pelos outros Governos do euro, designadamente o alemão, é que a Grécia tem, antes de mais, de pôr a casa em ordem, ajustando o seu nível de despesa à capacidade de arrecadação de receitas, o que significa fazer Orçamentos com excedentes primários (sem incluir os juros da dívida). Essa meta, ainda que muito tibiamente, foi entretanto alcançada, mas rapidamente será revertida se em Atenas se fizer marcha atrás na dieta das pensões ou dos salários e efectivos da função pública.
Um compromisso possível para manter a Grécia no euro passará provavelmente por um novo alívio nas condições de pagamento dos empréstimos aos países europeus (o FMI estará fora dessa jogada) e abertura máxima para levar investimentos co-financiados por fundos europeus ao abrigo do plano Juncker, a troco de Atenas manter o rumo do equilíbrio orçamental.
O maior risco no horizonte será uma prolongada incerteza e vazio político num país que depende de acordos com os credores para manter a luz acessa.
Mas não será a Grécia que vai mudar o eixo da terra. Se há terramoto à espreita, o epicentro é outro. França, presidenciais de 2017, Marine Le Pen na segunda volta – aí sim, Europa, é hora de perder o sono.