Opinião
Deixámos de perceber o mundo
Miguel Esteves Cardoso fez um jornal que fez história. Ontem, teve a coragem de partilhar o dia da vitória de Donald Trump como um dia "vergonhoso" para os media. Margaret Sullivan tirou a mesma conclusão no Washington Post – "Na verdade, os media não cobriram esta história."
Cobrir, cobriram. Mas sem a capacidade de perceber o que se estava a passar e de antecipar o que aí vinha. Não seria grave se fosse um episódio isolado. Mas não é um episódio isolado. Foi assim nas eleições americanas, como foi no Brexit, como foi, cá dentro, nas últimas eleições legislativas.
Não, António Costa não ia conseguir formar Governo depois de ter perdido para Passos Coelho. Ninguém no seu perfeito juízo acreditaria ser possível um acordo com o PCP e o Bloco. Se com os bloquistas ainda persistia alguma desconfiança (inquietos, com fome de poder), com o velho partido não havia dúvida. Oitenta anos de história não se desfazem na materialização de uma pequena vingança. Não, a geringonça era impensável.
Foi com espanto que cabeças pensantes, da direita à esquerda, chocaram com o abismo de um mundo onde, afinal, cabia outro mundo. E todos vimos a realidade impor-se, já não só contra as sondagens, mas contra tudo o que os media foram prevendo. E quando as notícias e as manchetes se alimentam de espanto, algo falhou. Estamos a deixar de saber ler sinais. Estamos a fazer comunicação com preconceitos e ideias feitas. Estamos a produzir muito ruído, mas a deixar de pensar. Estamos a trocar o difícil pelo fácil.
Donald Trump ganhou porque há uma maioria cansada, na América como na Europa, de desigualdade galopante, de discursos sem prática, de caos sem soluções. Não será o fim do mundo – Trump é mais sistema do que parece, começou a recuar no discurso e a malha da superpotência vai impor-se –, mas a fúria antimedia que ontem saltou para alguns fóruns nas rádios e televisões é um aviso. A credibilidade dos órgãos de comunicação social vai na enxurrada se estes deixarem de ser um farol na leitura da realidade.
A onda Hillary Clinton teve razões óbvias – o medo do susto. Mas a liberdade dos media exige mais e a unanimidade do discurso único raramente é boa conselheira. "Na verdade, os media não cobriram esta história." Não falta matéria para os dias que se seguem.
Não, António Costa não ia conseguir formar Governo depois de ter perdido para Passos Coelho. Ninguém no seu perfeito juízo acreditaria ser possível um acordo com o PCP e o Bloco. Se com os bloquistas ainda persistia alguma desconfiança (inquietos, com fome de poder), com o velho partido não havia dúvida. Oitenta anos de história não se desfazem na materialização de uma pequena vingança. Não, a geringonça era impensável.
Donald Trump ganhou porque há uma maioria cansada, na América como na Europa, de desigualdade galopante, de discursos sem prática, de caos sem soluções. Não será o fim do mundo – Trump é mais sistema do que parece, começou a recuar no discurso e a malha da superpotência vai impor-se –, mas a fúria antimedia que ontem saltou para alguns fóruns nas rádios e televisões é um aviso. A credibilidade dos órgãos de comunicação social vai na enxurrada se estes deixarem de ser um farol na leitura da realidade.
A onda Hillary Clinton teve razões óbvias – o medo do susto. Mas a liberdade dos media exige mais e a unanimidade do discurso único raramente é boa conselheira. "Na verdade, os media não cobriram esta história." Não falta matéria para os dias que se seguem.
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