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23 de Fevereiro de 2004 às 15:24

O que valem os 2,8%?

Começa a chegar a hora da substância, em que se vai avaliar que caminho foi feito na tão anunciada consolidação orçamental. Esse sim, será o tempo certo para se cantar vitória ou assumir o fracasso.

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O Governo pode lançar os foguetes que bem entender, que isso não altera a essência das coisas. Os 2,8% de défice público valem alguma coisa, mas não o que o primeiro-ministro quis fazer crer quando os anunciou, na sexta-feira, com a solenidade e a gravidade de uma comunicação ao país.

Aquele número tem muito de artificial, de puramente financeiro, significando muito pouco para a avaliação estrutural do ponto em que nos encontramos em termos de sustentação do orçamento do Estado.

Não fossem as receitas extraordinárias da titularização de créditos do Estado e a transferência do fundo de pensões dos CTT para a Caixa Geral de Aposentações, e o défice público tinha ficado próximo dos 5%.

É verdade que o ano foi recessivo e, por isso, particularmente difícil para as receitas fiscais correntes. E que a dimensão do Estado que este Governo recebeu como herança não se altera e agiliza em dois anos de forma a acomodar, como devia, o impacto das fases dos ciclos económicos.

Assim, no saldo entre estes débitos e créditos, ficamos com um défice de 2,8% que tem um valor essencialmente contabilístico.

E, nesse sentido, o valor anunciado pode evitar-nos problemas com Bruxelas (a criatividade política europeia pode sempre reanimar o comatoso Pacto de Estabilidade). E serve com símbolo da determinação de uma política financeira do Estado que pretende inverter o descontrolo de outros tempos.

Mas gritar vitória é manifestamente exagerado. Clamar por “uma vitória do rigor, uma vitória da política económica e financeira”, como fez Durão Barroso, é colocar o acessório à frente do essencial. É fazer-nos crer que os nossos problemas orçamentais se resolveram com uma simples operação de titularização de créditos.

O ano passado foi o segundo ano consecutivo em que o Governo colocou o défice abaixo dos 3% com recurso a operações de tesouraria extraordinárias e irrepetíveis. Este ano a fórmula seguida deverá ser a mesma.

O resultado disto é a completa falta de significado económico e político do défice público. Gerida desta forma, a conta anual do Estado terá o saldo que o Governo bem entender. Pode ser 3%, 2% ou 1%. Pode até ser nulo, que isso não entusiasma ninguém. Assim haja criatividade financeira e uns anéis para ir vendendo.

Esta fase essencialmente coreográfica tem um prazo de validade que está a chegar ao fim. E começa a chegar a hora da substância, em que se vai avaliar que caminho foi feito na tão anunciada consolidação orçamental. Esse sim, será o tempo certo para se cantar vitória ou assumir o fracasso.

P.S. - Do editorial sobre a TAP, publicado na quinta-feira, podia entender-se que a equipa directiva da TAP, liderada por Fernando Pinto, era composta exclusivamente por estrangeiros, e que estaria nesse facto a causa do seu sucesso. E isso não é verdade. Além de Fernando Pinto, o Comité de Direcção é composto por Michael Conolly, Manuel Torres, Luiz Mór (brasileiros), Angelo Esteves e Jorge Sobral (portugueses). Aqui fica o registo, porque a competência não tem nacionalidade nem sotaque.

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