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07 de Setembro de 2016 às 20:00

O perigo oculto dos grandes volumes de dados

Na teoria dos jogos, o “preço da anarquia” descreve como os indivíduos actuam no seu próprio interesse dentro de um grande sistema de forma a reduzir a grande eficiência dos sistemas.

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É um fenómeno omnipresente, com o qual quase todos nós nos confontamos, de alguma forma, numa base regular.

 

Por exemplo, se é um planeador urbano encarregado de gerir o trânsito, há duas maneiras de abordar os fluxos de trânsito na sua cidade. Geralmente, uma abordagem centralizada e descendente – uma que abranja a totalidade do sistema, identifique pontos de obstrução e faça mudanças de forma a eliminá-los – vai ser mais eficiente do que simplesmente deixar os condutores individualmente tomarem as suas escolhas na estrada, com o pressuposto que essas escolhas, de forma agregada, vão conduzir a um desfecho aceitável. A primeira abordagem reduz os custos da anarquia e faz melhor uso de toda a informação disponível.  

 

Hoje, o mundo está inundado de dados. Em 2015, o ser humano produziu tanta informação como a que foi criada em todos os anos anteriores da civilização humana. Cada vez que enviamos uma mensagem, fazemos uma chamada ou completamos uma transacção, deixamos vestígios digitais. Estamos rapidamente a abordar aquilo que o escritor italiano Italo Calvino profetizou e que se chama "memória do mundo": uma cópia digital completa do nosso universo físico.

 

À medida que a internet se expande para novos domínios do espaço físico através da Internet das Coisas, o preço da anarquia vai tornar-se uma métrica importante na nossa sociedade e a tentação de eliminá-la com o poder da análise dos grandes volumes de dados vai ficar mais forte.

 

Exemplos disso abundam. Considere a actividade familiar de comprar um livro online através da Amazon. A Amazon tem uma montanha de informação sobre todos os seus utilizadores – desde os seus perfis, às histórias que pesquisam e às frases que destacam nos seus e-books – que usa para prever o que é que os utilizadores vão comprar a seguir. Como em todas as formas de inteligência artificial centralizada, os padrões desenvolvidos no passado são usados para prever os padrões futuros. A Amazon pode olhar para os últimos dez livros que comprou e, com cada vez mais precisão, sugerir o que quer ler a seguir. 

 

Mas devemos ter em conta o que perdemos quando reduzimos o nível de anarquia. O livro mais importante que deve ler depois dos dez anteriores não é simplesmente um que se enquadre num padrão estabelecido, mas um que seja surpreendente ou o desafie a olhar para o mundo de uma maneira diferente.

 

Ao contrário do cenário do fluxo de trânsito descrito em cima, as sugestões optimizadas – que frequentemente se tornam numa profecia que se cumpre na sua próxima compra – pode não ser o melhor paradigma para a navegação online sobre livros. Os grandes dados (big data) podem multiplicar as nossas opções enquanto filtram coisas que não queremos ver, mas há algo a dizer para a descoberta do 11º livro através de puro acaso.

 

O que é verdade para a compra de livros também é verdade para muitos outros sistemas que estão a ser digitalizados nas nossas cidades e sociedades. Os sistemas municipais centralizados usam agora algoritmos para monitorizar as infraestruturas urbanas, desde as luzes de trânsito e a utilização do metro até à eliminação de resíduos e fornecimento de energia. Muitos presidentes de câmara por todo o mundo estão fascinados com a ideia de terem uma sala de controlo central, tal como o centro de operações, desenhado pela IBM, no Rio de Janeiro, onde os gestores da cidade podem responder às novas informações que vão chegando em tempo real.

 

Mas com os algoritmos centralizados a virem gerir cada parte da sociedade, a tecnocracia conduzida pelos dados está a ameaçar esgotar a inovação e a democracia. Este desfecho deve ser evitado a todo o custo. Descentralizar a tomada de decisões é fundamental para enriquecer a sociedade. Por outro lado, a optimização conduzida pelos dados dá origem a soluções a partir de um paradigma pré-determinado que, na sua forma actual, frequentemente exclui as ideias transformadoras ou pouco intuitivas que levam a humanidade para a frente.

 

Uma certa quantidade de coisas aleatórias nas nossas vidas permite o surgimento de novas ideias ou modos de pensar que, de outra forma, não teríamos. E, a uma escala macro, isto é necessário à vida. Se a natureza tivesse usado algoritmos preditivos que evitassem mutações aleatórias na reprodução do ADN, o nosso planeta provavelmente continuaria a estar num estado muito optimizado de organismo de célula única.

 

A tomada de decisões de forma descentralizada pode criar sinergias entre humanos e a inteligência das máquinas através de um processo de co-evolução natural e artificial. A inteligência distribuída pode, por vezes, reduzir a eficiência no curto prazo mas, em última análise, levar a uma sociedade mais criativa, diversificada e resiliente. O preço da anarquia é um preço que compensa pagar se queremos preservar a inovação através do acaso.

 

Carlo Ratti dirige o Senseable City Laboratory do Massachusetts Institute of Technology e lidera a agenda mundial no âmbito do Fórum Económico Mundial para as cidades do futuro. Dirk Helbing é professor de ciência computacional social na Swiss Federal Institute of Technology (ETH) em Zurique e lidera iniciativas da FuturICT e da Nervousnet.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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