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Carlo Ratti | Matthew Claudel 13 de Fevereiro de 2015 às 16:30

Pirataria informática a favor da humanidade

Segundo Oscar Wilde, "a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida". No caso do filme da Sony Pictures "Uma Entrevista de Loucos", o mundo vê-se confrontado com uma nova repetição: a vida imita a arte que imita a vida. O lançamento do filme lançou a intriga e o drama internacionais e lutas sombrias pelo poder geopolítico. Aliás, até levou a uma mensagem presidencial norte-americana – tudo devido a um simples caso de pirataria informática.

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Piratear sistemas informáticos não é nada de novo; anda de braço-dado com o aparecimento das telecomunicações. Um dos primeiros ataques ocorreu durante uma demonstração de transmissão de rádio por Guglielmo Marconi em 1903, quando comunicava da Cornualha para Londres, a quase 500 quilómetros de distância. Nivil Maskelyne, um mago de teatro de revista e aspirante a magnata do mundo radiofónico, que tinha sido rejeitado pelo inventor italiano, conseguiu tomar o controlo do sistema e transmitir mensagens obscenas para a audiência escandalizada da Academia Real.

 

Embora a pirataria seja tão velha quanto a rádio, muito mudou desde o tempo de Marconi. As redes informáticas cobrem todo o planeta, juntando e transferindo uma imensa quantidade de dados em tempo real. Permitem muitas actividades habituais: comunicação instantânea, redes sociais, transacções financeiras e gestão logística. Além disso, a informação já não está sequestrada num ambiente virtual mas encontra-se onde vivemos. Os mundos físico, biológico e digital começaram a convergir – dando lugar ao que os cientistas chamam de "sistemas ciber-físicos".

 

Por exemplo, os carros evoluíram de simples sistemas mecânicos para verdadeiros computadores sobre rodas. O mesmo está a acontecer com outros bens de consumo: temos agora máquinas de lavar conectadas e termóstatos com capacidade de aprendizagem, sem mencionar as escovas de dentes com recurso a "bluetooth" e balanças informatizadas para crianças.

 

Na verdade, os sistemas ciber-físicos vão desde o nível macro (basta só pensar nos transportes urbanos, como a Uber) até ao micro (por exemplo, os batimentos cardíacos). Mesmo os nossos corpos, sempre com dispositivos ligados à rede, estão hoje imbuídos de muito mais capacidade informática do que todo o poder que a NASA tinha na época das missões Apollo.

 

Tudo isto promete revolucionar muitos aspectos da vida humana – mobilidade, gestão energética, cuidados de saúde e muitos mais – e pode levar a futuro mais verde e mais eficiente. Mas os sistemas ciber-físicos também aumentam as nossas vulnerabilidades perante pirataria maliciosa, uma questão que foi discutida no Fórum Económico Mundial, em Davos. Em vez de ser um acto isolado no ciberespaço, os ataques podem, actualmente, ter consequências devastadoras no mundo físico. É incómodo quando um vírus ataca os nossos computadores; mas e se o vírus atacar os nossos carros?

 

É difícil combater piratas informáticos responsáveis por acções maliciosas com as tradicionais ferramentas estatais e industriais – o caso da Sony Pictures é um bom exemplo. A pirataria pode partir de qualquer lado, envolvendo potencialmente múltiplas redes em localizações obscuras. Estes piratas desafiam a retaliação e as estratégias de protecção. Como avisou o então secretário da Defesa, Leon Panetta, devido aos seus actuais sistemas, os Estados Unidos estão vulneráveis a um "ciber-Pearl Harbour" que pode descarrilar comboios, envenenar reservatórios de água e paralisar as redes energéticas.

 

Assim, como é que é possível evitar esse cenário?

 

Curiosamente, uma das opções pode ser promover uma adopção generalizada da própria pirataria. A familiaridade com as ferramentas e métodos dos piratas dá uma vantagem poderosa para diagnosticar a força dos actuais sistemas e ainda para fortalecer a sua segurança a partir da base – uma prática conhecida como pirataria informática ética. A infiltração ética permite que uma equipa de segurança tenha redes digitais mais resistentes a ataques através da identificação das suas falhas. Tal poderá tornar-se uma prática rotineira – um tipo de uma ciber-simulação de incêndio – para Estados e empresas, até porque a investigação académica e industrial vai centrar-se, nos próximos anos, no desenvolvimento de mais técnicas de segurança.

 

Actualmente, a protecção assume, na sua generalidade, a forma de "supervisores" digitais autónomos que estão constantemente a vigiar – computadores e códigos que controlam outros computadores e outros códigos. À semelhança de protocolos militares tradicionais de comando e controlo, quantos mais existirem, mais rapidamente conseguem reagir a um conjunto alargado de ataques. Tal ecossistema digital fortalece os pesos e contrapesos, reduzindo a possibilidade de falha e mitigando os efeitos de uma infiltração.

 

Nesse cenário futuro, um sucesso de bilheteira de Hollywood pode ser sobre redes de computadores em luta entre si, enquanto os humanos apenas assistem. Seria o retrato de uma ideia mais abrangente de "singularidade", um hipotético ponto de viragem em que o artificial ultrapassa o humano. Felizmente, neste caso, a vida ainda está longe de imitar a arte.

 

Carlo Ratti dirige o Senseable City Laboratory, no Instituto de Tecnologia de Massachussets e está na liderança do conselho de agenda global sobre as cidades futuras do Fórum Económico Mundial. Matthew Claudler é um investigador no Senseable City Laboratory.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Diogo Cavaleiro

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