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Carlo Ratti | Matthew Claudel 02 de Outubro de 2014 às 17:43

A revolução das avaliações

"Bonjour Monsieur, comment pourrais-je vous aider?", pergunta o obsequioso concierge do meu hotel em Paris. Imediatamente me questiono sobre o que terá acontecido à infame arrogância desta cidade - especialmente perante um turista americano. Se a capital francesa já não é a cidade europeia mais rude, talvez o possamos agradecer ao crescimento de ferramentas de avaliação online, como o TripAdvisor.

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Os sítios Web sobre viagens existem desde os anos 90, quando o Expedia, o Travelocity e outros sites de reservas de viagens de férias foram lançados, permitindo aos viajantes comparar os preços de voos e hotéis através do clique no rato. Com a informação a já não estar controlada por agências de viagens ou por redes de empresas escondidas, a indústria das viagens foi revolucionada com uma maior transparência que contribuiu para a redução dos preços.

 

Hoje a indústria está no processo de uma nova revolução – desta vez com a transformação da qualidade dos serviços. As plataformas online de avaliação – especializadas em hotéis (TripAdvisor), restaurantes (Zagat), apartamentos (Airbnb) e táxis (Uber) – possibilitam aos viajantes a troca de opiniões e experiências, que todos podem ver.

 

Hoje as empresas de hotelaria são avaliadas, analisadas e comparadas, não por profissionais do sector, mas pelas mesmas pessoas a que este serviço se direcciona – o cliente. Isto criou uma nova relação entre o comprador e o vendedor. Os clientes sempre votaram com os pés; agora podem explicar as suas decisões a qualquer um que esteja interessado. Como consequência, as empresas são muito mais responsabilizáveis, muitas vezes sob formas muito específicas que criam poderosos incentivos à melhoria do serviço.

 

Apesar de alguns leitores poderem não estar interessados em relatos intriguistas sobre a rudeza de mensageiros de hotel em Berlim ou sobre o mau funcionamento dos secadores de cabelo de um hotel em Houston, o verdadeiro poder das análises online reside não somente nas histórias individuais, mas na capacidade dos sítios Web para agregar um grande volume de classificações.

 

O impacto não pode ser sobrestimado. As empresas que consigam atrair boas classificações podem beneficiar de crescimentos exponenciais, com os novos clientes a serem atraídos por análises globais positivas o que garante, subsequentemente, ainda mais comentários (positivos). É tão grande a influência das avaliações online que muitas empresas estão a contratar gestores com reputação no digital para assegurar uma identidade online favorável.

 

O sistema não é sempre virtuoso. Sabe-se que existem operadores que pagam por análises forjadas por forma a elevar as classificações. Os clientes também podem ser pouco sinceros ou, ainda pior, enveredar por chantagens que ocorrem, como explica o TripAdvisor, "quando um cliente ameaça escrever um comentário negativo a menos que receba um reembolso, um quarto melhor ou qualquer outra exigência".

 

Felizmente, a tecnologia contraria esta má utilização das avaliações. Algoritmos já podem detectar classificações falsas identificando opiniões sistematicamente positivas (ou negativas) do mesmo utilizador. A monitorização por geolocalização pode assegurar que apenas os clientes que realmente utilizaram o serviço possam expressar uma opinião (como no caso do Airbnb).

 

Na verdade, as críticas exageradas estão a ser contrariadas como resultado de outro desenvolvimento surpreendente: enquanto os clientes podem expressar uma opinião sobre o serviço, o fornecedor do serviço também pode classificar os seus clientes, tal como o Uber tem demonstrado. Por isso, não é inconcebível que os hotéis mais populares possam um dia escolher os seus clientes.

 

As relações tradicionais entre consumidores e produtores também estão a ser postas em causa de outras formas. O crescimento das "economias de partilha", em que serviços – como um carro, um lugar de estacionamento ou um quarto a mais – são partilhados pelas comunidades, geram não apenas uma boa-vontade  recíproca, mas também baralha a distinção entre comprador e vendedor.

 

Contudo, nem todos os serviços foram afectados pelas avaliações online. O impacto das avaliações depende da possibilidade de um consumidor típico realmente ler as análises online antes de tomar qualquer decisão. Porque se é cada vez mais comum fazê-lo quando, digamos, reservamos um quarto de hotel, é muito menos usual aquando da escolha de um bar numa rua movimentada (a persistência da rudeza de alguns empregados parisienses atestam isso mesmo).

 

Ainda assim, os serviços que continuam a assentar na "primeira impressão" para atrair clientes, podem ter brevemente os seus dias contados. A proliferação da "realidade aumentada" – uma sobreposição de informação digital (como a desenvolvida pela Google Glass, entre outras) – promete transformar as actividades diárias numa experiência digital/física híbrida em que o comentário de um cliente fica rapidamente disponível para outros consumidores.

 

O último reduto contra os avaliadores serão aqueles serviços sobre os quais os consumidores não tenham poder de escolha, como monopólios ou agências governamentais, tais como aeroportos. O aeroporto Changi de Singapura é uma rara excepção: solicita constantemente avaliações aos seus utilizadores, através de ecrãs sensíveis ao tacto, com caras sorridentes e alegres que permitem que os viajantes opinem sobre tudo, desde a eficiência dos serviços de imigração à limpeza das casas de banho.

 

Escusado será dizer que muitas economias desenvolvidas continuam atrasadas, pelo menos por agora. Mas a escrita é, literalmente, na parede – ou, pelo menos, no ecrã. Na verdade, se estiver a ler isto online, e discordar de mim, poderá explicar o porquê na secção de comentários que acompanha este artigo.

 

Carlo Ratti, é membro do Conselho para Uma Agenda sobre o Futuro das Cidades, do Fórum Económico Mundial, e director do Senseable City Laboratory no MIT. Matthew Claudel é um investigador douturado no Senseable City Laboratory.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: David Santiago

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