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19 de Agosto de 2014 às 15:22

A vida na cidade de Uber

Mais oui! Como qualquer estudante francês do quinto ano sabe, a internet foi inventada em Paris. Era chamada de minitel, uma abreviação para Médium interactif par numérisation d’information téléphonique, e era uma rede de quase nove milhões de terminais que permitia às pessoas e organizações conectarem-se entre si e trocar informações em tempo real.

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A Minitel teve o seu auge durante as décadas de 80 e 90, à medida que ia alimentando várias aplicações online que anteciparam o frenesim mundial das "dotcom". A partir daí entrou num declínio lento e foi finalmente descontinuada depois de a internet "real" ter alcançado o domínio mundial.

 

Tanto a minitel como a internet foram criadas com base nas redes de informação digital. Contudo, as suas estratégias de implementação eram totalmente diferentes. A minitel era um sistema do topo para a base; um grande esforço de desenvolvimento lançado pelo serviço postal francês e pelo operador de telecomunicações nacional. Funcionava bem, mas o seu potencial de crescimento e inovação era limitado devido à sua arquitectura rígida e protocolos de propriedade.

 

Por outro lado, a internet evoluiu na direcção contrária, conseguindo escapar aos apelos iniciais de regulação dos gigantes das telecomunicações. Finalmente, tornou-se caótica mas revolucionária ao ponto de mudar o mundo que hoje conhecemos ("um presente de Deus", como apelidou o Papa Francisco recentemente).

 

Actualmente, outra revolução tecnológica está iminente. Redes digitais mais profundas estão a entrar no espaço físico, dando origem à "internet de tudo" – uma rede fundamental das "cidades inteligentes". E, uma vez mais, a grande diversidade de modelos de implementação está a surgir em diferentes partes do mundo.

 

Nos Estados Unidos, a ideia geral de um espaço urbano inteligente tem sido central para a criação de start-ups bem-sucedidas. Um desses últimos exemplos é a Uber, uma aplicação para "smartphones" que permite, por exemplo, que qualquer pessoa possa chamar um táxi. As operações da empresa estão a polarizar-se. A Uber tem enfrentado protestos e greves por todo mundo (sobretudo na Europa). Ainda assim, recentemente foi avaliada nuns estratosféricos 18 mil milhões de dólares (13,4 mil milhões de euros).

 

Além da Uber, o termostato de aprendizagem Nest, o site de partilha de apartamentos Airbnb e o mais recente "sistema operacional Home" da Apple – apenas para citar algumas inovações – atestam as novas fronteiras da informação digital quando ocupa o espaço físico. Abordagens semelhantes prometem agora revolucionar muitos aspectos da vida urbana – desde as deslocações diárias, passando pelo consumo de energia até à saúde pessoal –, recebendo um apoio ávido dos fundos de capital de risco. 

 

Na América do Sul, Ásia e Europa, todos os níveis governamentais estão a identificar rapidamente os benefícios potenciais de construir cidades "inteligentes" e estão a trabalhar para desbloquear investimentos significativos para esta área. O Rio de Janeiro está a criar condições ao nível de capacidade para o seu centro de "operações inteligentes". Singapura está prestes a lançar-se num esforço ambicioso para ser uma "nação inteligente". E Amesterdão canalizou, recentemente, 60 milhões de euros para um novo centro de inovação urbana chamado de Amsterdam Metropolitan Solutions. O programa da União Europeia chamado "Horizonte 2020" angariou 15 mil milhões de euros para o período 2014-2016 – um compromisso significativo ao nível de recursos para a ideia de cidades inteligentes, especialmente numa altura de constrangimentos orçamentais sérios.

 

Mas como é que este financiamento pode ser utilizado de forma mais eficiente? De facto, alocando elevadas quantias de verbas públicas será a melhor forma de estimular o surgimento de cidades inteligentes?

 

Os governos têm certamente um papel importante a desempenhar no apoio à investigação académica e na promoção de aplicações em campos que podem ser menos apelativos para os fundos de capital de risco – domínios pouco glamorosos mas cruciais, como os desperdícios municipais ou serviços de água. O sector público pode também promover o uso de plataformas abertas e padrões nesse tipo de projectos, o que aceleraria a adopção em cidades de todo o mundo (a iniciativa "protocolo da cidade" de Barcelona é um passo nesta direcção).

 

Mas, mais importante, é que os governos utilizem os seus fundos para desenvolver um ecossistema de inovação baseado de baixo para cima, semelhante ao que está a crescer nos Estados Unidos da América. O apoio dos políticos deve ir além das incubadoras tradicionais. Deve promover um enquadramento regulatório que permita que as inovações prosperem. Tendo em conta os obstáculos legais que constantemente atormentam aplicações como a Uber e a Airbnb, este nível de apoio é certamente necessário.

 

Ao mesmo tempo, os governos devem afastar-se da tentação de desempenhar um papel mais determinante e vertical. Não é uma prerrogativa sua decidir como é que vais ser a próxima solução de cidade inteligente – ou pior, utilizar o dinheiro dos seus cidadãos para impulsionar a posição das multinacionais tecnológicas que estão agora a entrar neste campo. As ofertas, tipicamente insipidas, e propriedades destas empresas representam um caminho que deve ser evitado a todo o custo – para que não acordemos e nos encontremos na cidade minitel. 

 

Carlo Ratti é professor no MIT, onde dirige o Senseable City Laboratory. Matthew Claudel é investigador no Senseable City Laboratory.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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