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Opinião
30 de Junho de 2014 às 13:08

Momentos cruciais para o futuro da Ásia

Diz-se que uma semana é muito tempo na política. Mas o que aconteceu na Ásia durante uma semana pode definir a região para as próximas décadas.

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A Tailândia, um dos países mais prósperos da Ásia, parece determinada a tornar-se um caso perdido. Um golpe militar, imposto depois de o Tribunal Constitucional tailandês expulsar, por motivos legais falsos, um governo eleito, só pode levar a uma paz artificial. A menos que os militares tailandeses estejam preparados para servir como mediadores honestos entre o primeiro-ministro deposto, Yingluck Shinawatra (e os seus partidários) e a elite anti-democrática de Banguecoque, a calma de hoje pode dar lugar a uma nova e mais perigosa tempestade.

 

Para o leste da Tailândia, o Vietname é o mais recente país da Ásia a sentir-se beliscado pela política chinesa de criação de factos no terreno ou, neste caso, no mar, para reforçar as suas reivindicações de soberania sobre os territórios em disputa. O governo do Vietname reagiu vigorosamente à colocação de uma enorme plataforma petrolífera, pela China, perto das disputadas Ilhas Paracel, no Mar da China Meridional. Os vietnamitas reagiram de forma ainda mais vigorosa atacando os investimentos industriais chineses.

 

O comportamento unilateral da China expôs uma tensão crescente contra o país que está a borbulhar em muitos países asiáticos. Novos protestos contra os investimentos chineses nas minas de Mianmar confirmam esta tendência, que a China parece querer aceitar como trivial, e não relacionado à sua atitude de "bullying". Tal como o presidente russo, Vladimir Putin, que enfrenta a antipatia pública generalizada na Ucrânia, os líderes chineses parecem acreditar que os protestos populares contra eles só podem ser o produto de uma conspiração americana.

 

No entanto, apesar do seu desprezo compartilhado pela expressão da vontade popular, o presidente da China, Xi Jinping, e Putin tentaram chegar a um entendimento sobre um novo acordo de gás que o Kremlin precisa desesperadamente, durante uma visita de dois dias de Putin a Xangai. O presidente russo viu a China como a sua opção de segurança caso o Ocidente isolasse a Rússia após a sua anexação da Crimeia. A ideia de Putin era que poderia encaminhar a economia da Rússia para uma parceria com a China.

 

Mas Xi mostrou relutância, assinando o acordo de gás só depois de Putin oferecer vantagens de longo prazo. A autoconfiança de Xi reflecte não só o desprezo do governo chinês pela má gestão de Putin da economia russa, mas também o facto de as preocupações da China em relação à energia terem diminuído consideravelmente nos últimos tempos. O desenvolvimento bem-sucedido de tecnologia de fracturação hidráulica em Xinjiang sugere que a China, tal como os Estados Unidos, em breve será capaz de recorrer às suas próprias reservas de energia proveniente do xisto. Além disso, o fornecimento abundante de gás de Mianmar e da Ásia Central dará à China provisões suficientes de energia para, pelo menos, uma década.

 

A difícil negociação da China com a Rússia expôs os limites da cooperação bilateral entre os dois países, o que tem consequências geo-estratégicas importantes para a Ásia e para o mundo. A China parece ter prazer em ver Putin a pôr o dedo no olho do Ocidente e a desafiar a liderança global dos Estados Unidos. Mas não está disposta a subscrever, com dinheiro, as pretensões russas de alcançar o estatuto de potência mundial. Em vez disso, a China parece interessada em transformar a Rússia no tipo de estado vassalo que Putin está a tentar criar na Ucrânia.

 

Mas os acontecimentos mais históricos dessa semana tiveram lugar em duas das maiores democracias da Ásia: Índia e Japão. A vitória esmagadora de Narendra Modi nas eleições gerais da Índia não foi apenas um grande triunfo pessoal para o filho de um vendedor de chá, como pode muito bem marcar uma ruptura decisiva com as tradicionais políticas herméticas da Índia. Modi está determinado a reformar a economia da Índia e conduzir o país para a linha da frente das potências mundiais.

 

Modi não encontrará melhor aliado do que o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, que foi um dos primeiros líderes asiáticos a apoiá-lo na sua tentativa de liderar a Índia. Tendo em conta que ambos os países têm os seus interesses regionais de segurança quase perfeitamente alinhados, haverá muito espaço para os dois agirem em conjunto para melhorar a segurança regional e a prosperidade mútua. A crise da Tailândia pode ser um bom teste à sua capacidade de trabalhar em conjunto, porque os dois países têm fortes interesses no regresso rápido da Tailândia à democracia, e a credibilidade necessária para actuar como um mediador honesto para acabar com a crise do país.

 

Abe criou espaço político para actuar como um parceiro estratégico, não só dos aliados da Índia, mas também do Japão, particularmente os Estados Unidos. Silenciosamente, um painel nomeado pelo governo de Abe ofereceu uma reinterpretação de um elemento-chave do artigo 9 da Constituição japonesa. Pela primeira vez desde o fim da Guerra do Pacífico, em 1945, as Forças de Autodefesa do Japão poderão participar numa "auto-defesa colectiva" - o que significa que o Japão pode vir em auxílio dos seus aliados.

 

É claro que a China e outros países da Ásia tentaram criar uma visão turva sobre essa mudança com a carga alarmista de um retorno ao militarismo japonês. Mas a nova interpretação do artigo 9 augura exactamente o oposto: incorpora os militares do Japão dentro de um sistema de alianças que tem sido, e continuará a ser, a espinha dorsal da estrutura de paz vigente na Ásia. Abe vai deixar isso claro, quando proferir o seu discurso em Singapura no "Diálogo de Shangri La" deste ano, a reunião anual de líderes militares e civis da Ásia.

 

A vitória de Modi e o aumento da capacidade de Abe para apoiar os aliados do Japão pode ajudar a forjar laços bilaterais mais profundas e, se devidamente compreendido pela China, promover um maior equilíbrio estratégico na região. É agora possível às maiores potências da Ásia - China, Índia, Japão – e aos Estados Unidos, formarem algo parecido com o sistema que deu à Europa um século de paz quase completa, no século XIX.

 

É claro que um sistema deste tipo exigiria que a China deixasse de lado o seu objectivo de hegemonia regional. Os chineses mais lúcidos devem perceber que, a menos que haja uma guerra vitoriosa, tal domínio é impossível. Agora é o momento de a China ancorar a sua ascensão dentro de uma ordem regional estável e mutuamente aceitável. Para a China, este pode ser um ponto crucial na sua modernização.

 

Yuriko Koike, ex-ministra da Defesa do Japão e conselheira de segurança nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata do Japão e, actualmente, é membro da Dieta Nacional.

 

Copyright: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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