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10 de Novembro de 2015 às 20:00

Conter o abrandamento da China

Os especialistas adoram debater as perspectivas de crescimento da economia chinesa e, hoje em dia, os pessimistas estão a ganhar a discussão. Mas muitos baseiam as suas previsões nas experiências de outras economias, enquanto a China tem quebrado o molde do crescimento económico das últimas três décadas. Então, as perspectivas económicas para a China são tão más quanto a sabedoria popular parece indicar? E, se são, como podem ser melhoradas?

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A situação da China é certamente grave. A economia cresceu 7,4% no último ano, a taxa mais baixa desde 1990; é improvável atingir a meta oficial de 7% este ano e, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, vai provavelmente crescer uns meros 6,3% em 2016. Claramente, a fraca actividade doméstica e a procura externa em queda estão a pesar.

 

A China está também a perder a dinâmica de crescimento de longo prazo, pois as taxas de fertilidade desceram e os retornos do investimento enfraqueceram a expansão da força laboral e a acumulação de capital. E está a tornar-se cada vez mais difícil para a China tirar proveito dos ganhos de produtividade conduzidos pela tecnologia.

 

Todos estes desafios levaram o antigo secretário do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, e o seu colega de Harvard, Lant Pritchett, a argumentar que o crescimento da China pode abrandar para 2-4% ao longo das próximas duas décadas, com o país a sucumbir ao padrão de crescimento historicamente dominante implícito pela "regressão à média". Mas, dado que o padrão de crescimento da China tem, até agora, sido excepcional, a noção de que vai de repente começar a seguir uma trajectória comum parece improvável.

 

Igualmente imperfeita é a visão de Justin Lin, antigo economista-chefe do Banco Mundial. Lin argumenta que a China pode alcançar um crescimento anual de 8% por mais duas décadas, devido à sua duradoura "vantagem última" que, entre outas coisas, implica rápidos ganhos de produtividade trazidos pela ligação tecnológica com os Estados Unidos. Mas falha em contar com a teoria de crescimento padrão da "convergência condicional": apenas economias com características estruturais comparáveis, como as capacidades laborais e qualidade institucional, convergem para níveis de rendimento per capita similares.

 

Por estas razões, tenho uma visão mais moderada, prevendo que o potencial médio do crescimento do PIB da China desça para 5-6% até 2030. Esta expectativa é baseada no quadro de convergência condicional que depende dos dados gerados pela experiência de crescimento único da China, bem como de outras economias, ao longo das últimas três décadas.

 

Ao contrário de Lin, acredito que o inevitável abrandamento económico da China chega em breve. Mas, ao contrário de Summers, não acredito que tenha de ser terrível. A chave para este cenário é que os líderes da China levem a economia para um padrão de crescimento mais equilibrado e mais sustentável, baseado em expectativas realistas. Não podem dar-se ao luxo de maltratar desafios inevitáveis, tais como aqueles que decorrem das fraquezas institucionais internas, da incerteza política e de choques externos.

 

O primeiro passo em qualquer estratégia eficaz deve ser o reconhecimento de que, numa economia tão grande e imprevisível, o governo não pode contar com a intervenção directa ou de políticas macroeconómicas. Em vez disso, deve implementar reformas que aumentem a produtividade e compensem as pressões em baixa no crescimento.

 

As reformas em funcionamento nos mercados – trabalho, terra e finanças – são essenciais. Os líderes da China devem melhorar a flexibilidade do mercado laboral e a mobilidade laboral; fazer um uso, aquisição e compensação do solo mais eficiente; e construir um sistema financeiro mais baseado no mercado.

 

Como está, o sistema financeiro da China é altamente regulado e dominado por bancos, muitos deles detidos pelo Estado. Para mudar isso, o governo precisa de promover uma alocação do crédito baseada no mercado. A China precisa de um sector financeiro flexível e eficiente, sustentado por um mercado de capitais eficazmente supervisionado e regulado, para evitar bolhas de activos e suportar empresas produtivas e inovadoras.

 

Do mesmo modo, políticas para promover inovações tecnológicas contínuas e melhorias industriais podem aumentar a produtividade. E medidas para aumentar a capacidade de investigação interna – por exemplo, ao reforçar a protecção dos direitos de propriedade intelectual – podem alimentar a inovação.

 

A reforma do massivo sector das empresas detidas pelo Estado da China também impulsionaria a produtividade. A reforma das empresas públicas recentemente anunciada é um passo promissor. Além de promover a propriedade mista envolvendo capital privado, reforçando o governo empresarial e facilitando as operações comerciais, as reformas prometem abrir os sectores da energia, recursos e telecomunicações a investidores não-estatais. Esta nova ronda da reforma das empresas detidas pelo Estado deve ser perseguida de forma diligente.

 

Tais esforços para aumentar a produtividade são tanto mais importantes quanto mais a China se move para transferir o crescimento liderado pelo investimento e exportação para um modelo mais sustentável baseado no consumo interno e nos serviços. Realocar recursos das indústrias orientadas para a exportação para actividades relacionadas com os serviços pode causar uma quebra irreversível na produtividade. Do mesmo modo, enquanto políticas que encorajam as empresas a aumentar salários vão elevar o rendimento das famílias e o consumo interno, os aumentos dos salários podem erodir a competitividade das exportações e sufocar os fluxos do investimento directo estrangeiro. Uma vez que o reequilíbrio de políticas sozinho não deverá aumentar substancialmente o crescimento médio da produção, aumentar a produtividade é crucial para a prosperidade de longo prazo da China.

 

A peça final do puzzle para a China é o realismo. Tal como está, o governo chinês está empenhando em manter um crescimento razoável de cerca de 7% anualmente ao mesmo tempo que impulsiona o reequilíbrio e a reforma. O risco é que, até que as medidas de reforma surtam efeito, as autoridades podem confiar nos estímulos de curto prazo para atingir as metas de crescimento, agravando a alocação desadequada de recursos e as vulnerabilidades estruturais. Considerando que a dívida total da China atingiu 282% do PIB no ano passado – ultrapassando o nível de dívida dos EUA – ainda mais empréstimos irresponsáveis para o governo local e para as empresas privadas do sector da banca na sombra iriam manter a economia refém do risco crescente de uma crise financeira.

 

Para evitar tal desfecho, a China deve reduzir a sua meta de crescimento para cerca de 6% nos próximos anos. Desse modo, pode perseguir as reformas profundas que são necessárias para mover a economia para uma trajectória de crescimento mais equilibrada e mais sustentável a longo prazo.

 

Lee Jong-Wha, professor de Economia e director do Asiatic Research Institute da Universidade da Coreia, foi economista chefe e responsável do gabinete de Integração Económica Regional do Banco de Desenvolvimento Asiático e assessor para os assuntos económicos internacionais do antigo presidente Lee Myung-bak da Coreia do Sul. O seu livro mais recente, escrito com Robert J. Barro de Harvard, é Education Matters: Global Gains from the 19th to the 21st Century.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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