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14 de Janeiro de 2008 às 13:59

Uma Caixa de Pandora?

A passagem de 2007 para 2008 ficou marcada pelo imbróglio no BCP e pela suspeita de que o capitalismo português continua a viver no aconchego da bolsa marsupial do Estado. De facto, parece estranho que o Governo nada tenha feito para manter Carlos Santos

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Sem pestanejar, o Estado deixou partir um dos seus “Mourinhos” para a equipa adversária, dando a ideia de que, desta forma, pretende jogar nos dois tabuleiros. A concretizar-se a vitória da lista de Santos Ferreira, o novo conselho de administração do maior banco privado português viverá para sempre com o anátema de ter sido uma solução apadrinhada (se não mesmo impulsionada) pelo Governo. Algo que Santos Ferreira, pelo seu currículo de gestor e pela correcção que tem demonstrado ao longo do processo, não merece. Felizmente também a outra lista para o conselho de administração, liderada por Miguel Cadilhe, apresenta igual gabarito, pelo que o duelo será feito com discrição e elevação, como é próprio dos cavalheiros.

Neste processo, também causa alguma perplexidade a “inibição” informal que o Banco de Portugal decretou sobre todos os administradores do BCP entre 1999  e 2007 – atitude que constitui um atropelo ao Estado de Direito, pelo desrespeito que configura ao princípio da presunção da inocência. Desta forma, o último conselho de administração do BCP, bem como toda uma geração de notáveis banqueiros, viu a sua honorabilidade posta em causa.    
 
Mas o cerne desta reflexão não reside na pessoa de Santos Ferreira, cuja idoneidade é inatacável, nem mesmo na ausência de um quadro regulador que estabeleça um período de nojo para evitar a transferência directa de altos quadros dirigentes entre instituições sensíveis para a nossa economia. O que importa ponderar aqui é a própria CGD enquanto banco público e a sua actuação, não apenas no mercado bancário, mas também nos restantes sectores económicos.

Comecemos pela natureza accionista da Caixa. À luz da lógica concorrencial que enforma os sistemas financeiros actuais, a pertinência de instituições bancárias do sector público é altamente discutível e, por isso, os bancos estatais quase não têm expressão na Europa comunitária. A fraca presença do sector público no mercado bancário europeu é hoje uma realidade indesmentível, evitando-se assim a tentação de, por um lado, os bancos públicos beneficiarem do respaldo do Estado para obterem vantagens competitivas e, por outro, dos Governos interferirem, muitas vezes de forma sub-reptícia, no normal funcionamento dos sistemas financeiros dos seus países. Será que a CGD defendeu sempre os interesses do Estado? Ou será que os interesses do Estado não se confundiram muitas vezes com os interesses dos sucessivos Governos pós-25 de Abril?

A dúvida é pertinente, sobretudo se se tiver em linha de conta a actuação da CGD nos últimos anos, quer no mercado bancário, quer nos restantes sectores da economia portuguesa. No mercado bancário, a CGD é accionista, pelo menos, do BPI e do BCP, onde detém, aliás, uma posição de referência. Qual é o interesse público destes investimentos da Caixa? Qual é a estratégia subjacente à criação de valor accionista? As respostas não são claras e, por conseguinte, continua hoje por desvendar o verdadeiro papel da CGD no sistema financeiro português. Até porque, ao contrário do que seria de esperar, a Caixa tem vindo a acentuar o seu perfil eminentemente comercial, chegando mesmo a padecer dos principais vícios da banca portuguesa, como acontecia, por exemplo, com os arredondamentos das taxas de juro aplicadas aos empréstimos, antes da legislação o impedir. O banco público não se distingue, pois, dos seus congéneres privados no que toca à política de créditos, à relação com o cliente ou às estratégias comerciais e de marketing. Por isso tem falhado na sua qualidade de regularizador informal do mercado, se é que é essa a função que o Estado quer para o seu banco. 

Nos demais sectores da economia portuguesa, a motivação da CGD enquanto investidor também gera alguma perplexidade. Graças às importantes posições accionistas que mantém na PT, na EDP ou na Galp, entre outras sociedades, o banco público tem tido uma intervenção crescente na vida de muitas empresas, sem que, uma vez mais, se perceba claramente os objectivos estratégicos subjacentes a este frenesim investidor. Neste quadro, importa lembrar que a Caixa teve uma palavra a dizer, mesmo que por omissão, nas OPAs falhadas da Sonaecom sobre a PT e do BCP sobre o BPI, bem como na proposta de fusão BPI/BCP.

Com tantos exemplos recentes, não é descabido pensar que a CGD está a funcionar como braço financeiro do Governo, acentuando o peso do Estado na economia e desvirtuando o regular funcionamento do mercado. Neste sentido, parece-me de todo pertinente exigir uma de duas coisas: o esclarecimento público cabal da agenda estratégica da CGD, para que não restem dúvidas sobre os propósitos e modus operandi da instituição, ou a privatização da Caixa, parcial ou mesmo integralmente. Em meu entender, a abertura do capital da CGD aos privados, mesmo que progressivamente, é a solução que melhor assegura a credibilidade, transparência e competitividade do nosso sistema financeiro.

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