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10 de Julho de 2007 às 13:59

Triunfo do português na presidência da UE

Temia-se que a redacção do futuro tratado europeu tivesse um efeito eucalipto sobre a presidência portuguesa da UE, secando todos os outros pontos em agenda. Com a agravante de que, para algumas vozes nacionais e estrangeiras, tudo ficou decidido durante

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Com a agravante de que, para algumas vozes nacionais e estrangeiras, tudo ficou decidido durante a presidência alemã, bastando a Portugal um mero trabalho de “bricolage” jurídica para concluir o chamado “tratado reformador”. Até o habitualmente circunspecto “Le Figaro” escreveu que “a presidência portuguesa da UE revela ambições incrivelmente modestas: redigir sob forma jurídica o compromisso obtido pela presidência alemã e, depois, como qualquer equipa de futebol com falta de ambição mas satisfeita por um magro resultado, recolhe à sua área, à esfera do apito final”.

Neste contexto, a cimeira entre a UE e o Brasil teve o condão de mostrar que há mais vida para lá do novo tratado e de que Portugal pode, de facto, acrescentar uma visão geopolítica muito particular à Europa dos 27. A cimeira teve, desde logo, o valor simbólico de ter sido a primeira a realizar-se entre as duas partes. E o mérito deste feito tem de ser atribuído ao Governo português, que logrou vencer as resistências dos seus parceiros europeus e do próprio Brasil, cujo interesse pela Europa esfriou após o fim do consolado de Fernando Henrique Cardoso. Com a cimeira, Portugal fechou o ciclo de parcerias estratégicas entre a UE e os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), introduzindo o “B” que faltava nas relações com os quatro grandes países emergentes.

Desta forma, Portugal virou o olhar da Europa para Ocidente quando esta estava essencialmente focalizada no Oriente, mercê da pertinência de questões como a concorrência asiática, a dependência energética da Rússia, as relações com a Turquia, a instabilidade no Médio Oriente ou a possível independência do Kosovo. Neste sentido, o Governo português marcou a agenda política da UE, reforçando assim a lógica das presidências rotativas numa altura que o seu fim está anunciado. O que vimos na cimeira foi, portanto, a capacidade do nosso país enriquecer a UE com a sua geopolítica, a sua visão estratégica, o seu passado histórico, a sua mundividência cultural e o seu património linguístico. Isto é tanto mais importante quanto pensarmos que numa Europa a 27 as cedências de soberania são inevitáveis, sendo a política externa uma das prerrogativas nacionais mais sacrificadas com a integração europeia.

Mas para que tudo isto fosse possível, houve uma feliz conjugação de interesses tripartidos. Para Portugal, e esquecendo por momentos os laços históricos e culturais que nos unem, o Brasil continua a ser um mercado apetecível, apesar do nosso país, enquanto fornecedor, não surgir na lista dos 25 primeiros e ter constituído, em 2005, apenas o 23º destino das exportações brasileiras. O menor fulgor da economia nacional a partir de 2002 fez diminuir o investimento no Brasil, depois de nos anos 90, e graças a grandes empresas como a PT, a EDP e a Sonae, Portugal se ter afirmado como uma das principais origens do IDE brasileiro.

Estas cimeiras servem, aliás, para eliminar obstáculos ao investimento e ao comércio bilateral, como as taxas de importação (actualmente os produtos europeus são taxados em quase 30% nas fronteiras brasileiras) ou as questões de propriedade (para um investidor europeu é difícil adquirir terras no Brasil). Temos, de resto, a vantagem de partilhar a mesma língua, o que torna as negociações mais fáceis. O português é, na verdade, o grande laço a unir os dois países.

Acresce que as relações da UE com a América Latina, tradicionalmente lideradas pela Espanha, vivem um momento de impasse. Logo, Portugal pode surgir como “pivot” de um novo relacionamento bilateral, aproveitado as afinidades culturais com o Brasil e o menor dinamismo que, neste campo, o nosso vizinho ibérico tem demonstrado nos últimos anos. Com o “endorsement” da UE, Portugal afigura-se capaz de abrir as portas do Velho Continente ao Brasil, e vice-versa, bem como de se reaproximar do “país irmão”, do qual tem estado relativamente afastado.

Prosseguindo o raciocínio iniciado há pouco, para a Europa o interesse da cimeira assentava basicamente em cinco questões específicas. Primeiro, encontrar no Brasil um parceiro que funcione como contrapeso à deriva populista na América Latina, personalizada por chefes de Estado como Hugo Chávez ou Evo Morales. Ora, o Brasil, enquanto potência regional, serve na perfeição esse papel. Segundo, intensificar as relações económicas entre a UE e o Brasil, sendo que, neste particular, a Europa parece estar a perder terreno para os EUA. Terceiro, dar um novo impulso à conclusão da Ronda de Doha, para conseguir um acordo multilateral de comércio livre. Quarto, reactivar as relações entre a UE e o Mercosul, que neste momento se encontram paralisadas.

Concluindo o raciocínio, saliento que, na óptica do Brasil, a cimeira foi importante na medida em que a Europa constitui ainda o seu maior parceiro comercial, apesar da aproximação, sem preconceitos ideológicos, do ex-operário Lula da Silva aos EUA de Bush. Acresce que o Brasil necessita da UE para cumprir as suas ambições de “global player” e ganhar um lugar, como membro permanente, no Conselho de Segurança da ONU. Além disso, o Brasil quer liderar o mundo em vias de desenvolvimento na sua relação com o mundo desenvolvido, pelo que o palco mediático dado por esta cimeira, com a “Rodada de Doha” como pano de fundo, serviu os seus intentos.

Importa acrescentar que, durante a cimeira, o Brasil propôs à UE uma parceria para a produção de biocombustíveis, tendo sido este um ponto fundamental da agenda brasileira. Para a Europa, a questão dos biocombustíveis prende-se com o combate às alterações climáticas, mas para o Brasil tem a ver essencialmente com o combate à pobreza. Como disse, muito pragmaticamente, o presidente Lula da Silva, numa alusão à obra de Thomas Friedman, “The World is Flat”: “O mundo é chato (flat), mas não tem porque ser aborrecido.”

Resta terminar desejando que Portugal obtenha êxito semelhante na II Cimeira Europa-África, prevista para Dezembro. Também com este espaço da lusofonia importa estabelecer um relacionamento mais estruturado e constante, de forma, por um lado, a minorar os défices de desenvolvimento de África e, por outro, a reforça a ligação estratégica da UE a um continente que integra o património histórico e cultural europeu.

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