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Opinião
30 de Junho de 2004 às 13:59

Tempo de oportunidade

Jorge Sampaio terá que tomar a grande decisão da sua presidência. Num sentido ou noutro fará história. Como se pede à política nos seus momentos maiores.

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Portugal não gosta da política. Essa é a terrível verdade revelada pelas reacções dos últimos dias.

A crise é vivida como hecatombe. Gera temor e ansiedade. Mas, significativamente, parece incapaz de consubstanciar o sentido da oportunidade. Atitude que, à partida, não augura nada de bom.

O convite dirigido a Durão Barroso era, evidentemente, irrecusável. E, portanto, a opção de aceitar sempre seria a opção certa. O desafio pessoal e o interesse do país encontravam-se. Questioná-lo, com base na retórica da estabilidade, é profundamente desonesto. E, aliás, falsíssimo.

A estabilidade não é um valor «a se». Importa e é mesmo essencial se constituir condição para a realização de uma política. Mas, de outro modo, não interessa nada. Quando a estabilidade não determina a definição de objectivos colectivos e a mobilização social, a semântica recomenda que se usem termos mais adequados. Marasmo, puro e simples. Ou paz podre.

Ora, há uma semana, muitos dos que hoje clamam por estabilidade antecipavam dois anos de profunda desolação. Uma maioria pouco criativa, um governo virado para dentro em permanente gestão de dificuldades genéticas, uma oposição resignada e indigente. Em suma, a absoluta impossibilidade de rumo ou motivação.

Porém, hoje, num fenómeno tipicamente português, dir-se-ia que Durão Barroso, o mal-amado, era, afinal, um activo inalienável, verdadeiro penhor da nossa esperança no futuro. Sem ele, emerge um sentimento de orfandade, de perda, de desorientação.

Neste quadro, Jorge Sampaio terá que tomar a grande decisão da sua presidência. Num sentido ou noutro fará história, como se pede à política nos seus momentos maiores.

Porém, era bom que não se enredasse nesta dualidade primária de estabilidade «versus» dissolução. Porque, em rigor, nem a não dissolução garante inelutavelmente a estabilidade, nem a dissolução acarreta forçosamente a instabilidade. Na verdade, a opção de não dissolver o parlamento só é capaz de consolidar a estabilidade se a solução governativa encontrada induzir o necessário apaziguamento social e político. Caso assim não suceda, a não dissolução pode potenciar a crítica, a agitação e o mal-estar. Já a opção de dissolver a Assembleia da República, convocando eleições, só tem que gerar a instabilidade própria dos processos eleitorais, com a decorrente assunção de um período transitório de gestão. Mas, depois dos votos, pode permitir uma clarificação da orientação política do país, com indesmentíveis ganhos em matéria de legitimação dos protagonistas.

O interesse nacional recomenda que a questão seja vista sem pré-compreensões susceptíveis de desvirtuar a análise. Ou, mais tarde, passíveis de subverter a percepção do sentido da decisão presidencial.

Para tanto, será determinante que não se assuma que a não dissolução é benéfica para a actual Situação e que, ao invés, a dissolução é positiva para a actual Oposição. Aliás, porque uma e outra asserção estão longe de ser pacíficas.

O PSD pode ganhar eleições em Outubro. E pode mesmo fazê-lo com uma maioria reforçada. Tudo depende de quem tiver para apresentar aos eleitores e do que lhes propuser como projecto. Também o PS pode ganhar eleições em Outubro. E pode conseguir uma maioria consistente. Tudo depende de quem surja como candidato a primeiro-ministro, do programa de acção que defina, da equipa que promova. Os grandes partidos dependem apenas de si próprios. Numa implicação que será sempre recíproca, uma vez que não é indiferente quem vai contra quem.

Ou seja, num cenário de eleições - mais provável a cada dia que passa, e sem vencedores antecipados -, a capacidade de dinamização interna dos dois grandes partidos será sempre o factor decisivo. Porque o momento pode ser de regeneração e saneamento. Portanto, de oportunidade. Uma imensa e histórica oportunidade.

Contudo, o caminho é estreito. Hoje, tudo o que suponha uma deliberação dos órgãos partidários está, lastimavelmente, comprometido na sua própria essência. A lógica de liberdade inerente ao voto e, antes disso, à própria construção de soluções está manietada pelas aritméticas dos vários sindicatos de influência que se organizam e disputam nesses ‘fora’. As diversas camarilhas estarão em campo, blindando qualquer hipótese de, por dentro, fazer a diferença.

Razão pela qual a tal oportunidade depende de uma vaga de fundo. Terá que ser o país a dar um sinal poderoso de que quer mais e melhor.

Se o Presidente da República convocar eleições, o verão político deverá ser de mobilização e exigência. Para que, em Outubro, Portugal possa estar em condições de escolher a um outro nível. Mas, se o não fizer, se a opção for a de encontrar uma solução no quadro da actual maioria, os meses que aí vêm deverão fomentar a sindicância democrática do poder, por forma a que o país recupere o sentido do desafio e da emulação.

De uma forma ou de outra, a verdade é que, com a ida de Durão Barroso para Bruxelas, a consciência europeia dos portugueses ganhará uma nova dimensão. A Europa ficará mais próxima, mais presente, mais familiar. E isso, só por si, será já uma incomensurável vantagem. O sentido que nos falta bem pode revelar-se europeu.

Durão Barroso rasga-nos, portanto, uma importante oportunidade. Assim saibamos aproveitá-la em pleno.

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