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16 de Junho de 2004 às 13:59

Bandeiras e algo mais

As bandeiras à janela, nas casas e carros de muitos milhares de anónimos, assinalam uma pertença. Mas, mais do que isso, uma vontade irreprimível de sonho e de projecto.

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Este país cheio de bandeiras dá que pensar. Não no futebol, seu pretexto próximo e confesso, mas na ansiedade profunda que existe para além dele.

As bandeiras à janela, nas casas e carros de muitos milhares de anónimos, assinalam uma pertença. Mas, mais do que isso, uma vontade irreprimível de sonho e de projecto.

O que falta, em Portugal, é, desde há muito, isso mesmo. Objectivos, razões colectivas. Numa palavra, sentido. Em cada bandeira há um apelo. Um desejo de mobilização. Uma urgência. Um povo que toca a rebate.

Por si e pelo seu país. Por uma identidade, uma cultura e uma exigência de futuro. Por uma causa portuguesa, capaz de motivar, de irmanar, de desafiar.

Quiseram as circunstâncias que o patriotismo viesse em tempo de sardinhas assadas e bailaricos populares. Cantigas e cheiros de sempre, atravessando gerações e classes, exacerbando a certeza da terra.

Em cada bandeira emerge a assunção do país como desígnio. O futebol é mero epifenómeno. Afinal, para uma exaltação colectiva que reivindicaria muito mais.

O país quer causas. Precisa de causas. E dá um poderoso sinal disso mesmo.

Mas a política desilude e parece incapaz de agregar entusiasmos. O país não é chamado a seguir um caminho. Não é desinquietado. Não é instado a querer e a realizar.

O destino de Portugal não convoca os portugueses. E, por decorrência, não os envolve num compromisso capaz de unir e galvanizar.

Falta visão e estatura. Falta liderança. Falta sentido estratégico e capacidade de afirmação.

As pessoas, como as organizações e os países, precisam de metas para progredir. É a promessa do leite e do mel que justifica a travessia do deserto. Sem essa esperança, o sacrifício torna-se insuportável. E o desespero instala-se. Como o autismo e o hedonismo. Portugal está assim. Engalanado com as suas muitas bandeiras, mas profundamente deprimido. Um país desorientado. Consciente de um tempo perdido. Expressivamente, o fervor patriótico nada pôde contra o protesto – ou o mero desinteresse – dos mais de 5.360.000 eleitores que não votaram no passado fim-de-semana. Número avassalador que torna patéticos os considerandos e as celebrações decorrentes das mil e uma leituras dos resultados. Trinta anos depois do 25 de Abril, apenas 38% dos portugueses entendem que vale a pena ir votar!

Mas, mais deplorável do que este balanço da nossa evolução democrática, só mesmo a unânime recusa de retirar daí consequências políticas. A Oposição fez a festa. A Situação foi forçada a admitir a derrota. Porém, ninguém reconheceu a falência de um modelo que deixa em casa – ou na praia... – mais 225.000 pessoas do que em 1999. Ninguém teve sequer a tentação de assumir qualquer responsabilidade pelo facto.

Aliás, mesmo os derrotados, ao imputarem o desaire a erros de comunicação, revelam bem quão desfocada é a sua análise. Porque o problema não é de forma, mas de conteúdo. O que o povo percebe, lúcida e implacavelmente, é a total ausência de propostas substantivas. A falta de rumo, patente na inconsistência dos discursos.

Já festejar uma vitória neste quadro, é quase esquizofrénico. Sintoma iniludível do que a política é. Interessam os equilíbrios relativos e a decorrente legitimação de protagonismos. Nada mais. As ilações possíveis começam e acabam aí.

No fundo, os milhares de bandeiras marcam a distância entre o país político e o país real. Um país fechado sobre si próprio, incapaz de olhar para esse outro país que reivindica atenção e esperança. Um país fechado sobre si próprio, incapaz de mobilizar esse outro país, ansioso por ser parte na construção de um futuro comum.

Talvez por isso, verdadeiro grito de alma, as bandeiras continuarão à janela de gente que ninguém ouve. Seja qual for a sorte da selecção e indiferentes ao ruído do país político.

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