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19 de Abril de 2007 às 13:59

Sócrates e a ética

Provavelmente os mais avisados terão razão: tão cedo o primeiro-ministro não sairá de cena da telenovela sobre as suas credenciais académicas. E não me parece que a estória acabe depressa, por uma razão que até agora não ouvi, nem li, em lado nenhum (talv

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Julgo que é isto, e pouco mais do que isto, que está em causa.

E sem este esclarecimento, até ao tutano, o assunto não morre. Claro que há outros dramas laterais, como o facto do primeiro-ministro usar um título que, eventualmente, não tem (alguém se interessa?), ou que tentou pressionar os jornalistas (até parece que foi o primeiro), ou que demorou a dar explicações sobre o assunto (quem não se lembra dos governos do professor Cavaco?), e por aí fora.

Mas, o que muitos pensam em surdina, mas hesitam em escrever ou em dizer, é simples: será que o primeiro-ministro foi conivente, ou cúmplice, ou interveniente, de alguma forma, na trapalhice sobre as suas credenciais académicas? Porque, salvo melhor opinião, é totalmente indiferente saber se é engenheiro técnico, ou se usa o ENG antes do nome sem a tal ter direito.

Ora, seguindo uma lógica consequente, temos que das duas uma: ou, de facto, se prova que houve fraude, e o primeiro-ministro participou na conjura, ou não se prova nem uma coisa nem outra.

Se for a última hipótese, isto é, que não houve fraude, ou que tendo existido o primeiro-ministro em nada teve a ver com o assunto, o caso é arrumado.

Poderá não ser engenheiro com todos os pergaminhos, mas é totalmente indiferente para o cargo que, legitimamente, ocupa.

Havendo fraude, e provando-se que o primeiro-ministro participou, de alguma forma, no processo, o caso muda de figura.

E é esta – e só esta – última hipótese que interessa considerar.

Porque, ao contrário de algumas teses bem pensantes (caso de Pacheco Pereira, por exemplo), não é indiferente saber que quem lidera os destinos do Governo é sério, ou não. Para qualquer eleitor/contribuinte faz toda a diferença.

Claro que há a questão do rigor, da exigência, da transparência que o percurso académico do primeiro-ministro está longe de ser exemplar. Poder-se-á dizer que Sócrates será como Frei Tomás quando pregava: "façam como eu digo e não façam como eu faço". Mas, entre a eventual falta de rigor e a colaboração num crime há a diferença que distingue o distraído do aldrabão.

Ou seja: os graus de gravidade são, absolutamente, diferentes e não confundíveis.

Até porque se coloca uma questão não desprezável: se for verdade a hipótese mais pessimista, e para a qual não bastam suspeitas mas produção de prova concludente e irrefutável, haverá consequências a retirar. A mais importante das quais será saber se alguém que participa numa fraude pode, por exemplo, ser primeiro-ministro?

A discussão poder-se-á abrir, porque faltaria ainda saber (no terreno desta hipótese mais terrífica) se uma fraude desta dimensão (razoavelmente insignificante ao lado de tanta matéria importante) merece uma destituição?

Escrevendo num espaço de uma associação empresarial que faz da ética uma preocupação central, o tema faz todo o sentido. Mas, como em todas as questões éticas, a resposta não será fácil, na medida em que se percebem as consequências do que seria este terramoto político como o de suspender um mandato a meio da viagem.

Com esta seria a terceira vez, seguida, em que um primeiro-ministro não terminava o seu mandato.
Infelizmente, presunção minha, o tema ainda vai dar pano para muitas mangas.

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