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Opinião
01 de Março de 2011 às 11:37

Sinais

Diz-se que é muito difícil fazer previsões económicas, sobretudo para o futuro.

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Por isso, quando são chamados a fazer prognósticos, os economistas tendem a evitar juntar um número e uma data na mesma frase. Ora no que respeita à previsão de Portugal recorrer ou não à ajuda externa, a maior parte dos analistas parece ter já perdido a cerimónia: poucos questionam se Portugal vai ou não recorrer à ajuda, apenas se discute se tal será em Março ou em Abril.

A convicção de que a ajuda é inevitável decorre dos níveis a que chegaram as taxas de juro implícitas da dívida pública: independentemente dos altos e baixos do dia-a-dia, a tendência tem sido sempre ascendente e não se vislumbram no horizonte cenários ou medidas de política com força suficiente para inverter a tendência.

Há uma semana atrás, ainda poderíamos dar o benefício da dúvida ao efeito que teria a divulgação de uma execução orçamental melhor do que a esperada. No entanto, embora o Governo tenha de facto anunciado uma redução do défice muito superior à programada, as taxas de juro continuaram a subir. Dirão alguns: o problema é que a redução do défice foi essencialmente conseguida à custa de uma receita fiscal irrepetível, quando o que todos pedíamos era uma contracção vigorosa da despesa. Dirão outros: o Governo não foi credível na forma como comunicou os números, porque procurou escamotear o crescimento da despesa com comparações questionáveis e não divulgou no boletim de execução a taxa de crescimento da despesa consolidada. Apesar de tudo - diriam os mais positivos - as contas do Sistema Nacional de Saúde evoluíram bem e o facto é que o défice da Administração Central em Janeiro foi apenas 1/34 do planeado para o ano de 2011… Outra interpretação possível é a de que, nesta fase, isso já pouco importa: independentemente de a execução ter ficado meio cheia ou meio vazia, as taxas de juro não descem porque os agentes económicos já se convenceram que com estas taxas de juro a dívida pública entrou numa trajectória insustentável. Pescadinha de rabo na boca? É a vida…

Acresce que, na vertente externa, as estrelas parecem estar a alinhar-se em torno do cenário de intervenção.

Em primeiro lugar, os receios de um contágio à Espanha são cada vez menores. A Espanha parece estar agora a recolher os dividendos de ter praticado uma política de ajustamento pronta e agressiva, não só ao nível orçamental, mas também ao nível do seu sistema bancário. Tais dividendos manifestam-se através de uma descolagem das suas taxas de juro face às dos países mais aflitos e também numa presença mais assídua de investidores nos leilões de dívida pública e no financiamento à banca.

Em segundo lugar, tem vindo a ficar cada vez mais claro que não estamos perante uma crise do euro, mas sim de crises em alguns países da Zona Euro (a esse propósito, a intervenção do Director executivo do FMI, Strauss-Kahn, na reunião do G20). A convicção de que assim é tem vindo a arrefecer o entusiasmo dos líderes dos países orçamentalmente mais sólidos relativamente à possibilidade de alterar o estatuto do FEEF, nomeadamente no que se refere à sua utilização para compra de dívida pública. Pelo contrário, a ideia que agora ganha vigor é a de que a compra de dívida aos países indisciplinados, quer por parte do banco central, quer por parte dos outros Estados Membros, fragiliza moeda única, em vez de a reforçar (veja-se o artigo dos 200 economistas alemães). Em termos práticos, o mais provável é o dia 11 de Março não trazer qualquer novidade no que toca ao reforço das competências do FEEF.

Se tal for o caso, poder-nos-emos questionar se o BCE continuará a estar disponível para intervir no mercado secundário da dívida pública portuguesa. É razoável admitir que não. O BCE tem afirmado que essa não é a sua missão e tem solicitado aos países da União que desenhem os mecanismos necessários para fazer face à crise orçamental. Ora se os Estados Membros, após meses de discussão, entenderem no dia 11 não alinhar pela recompra de obrigações, é natural que o BCE entenda também não ser sua obrigação obrigações comprar, retirando-se do mercado em eventual articulação com um Plano B.

Acresce que, com ou sem recompra, outra nuvem se desenha no horizonte: a subida das taxas de juro. É que, já não bastava a inflação da Zona euro estar acima do limite de 2%, temos agora toda a instabilidade política no Norte de África a fazer disparar os preços do petróleo. Em Fevereiro, a taxa de inflação da Zona Euro deverá aumentar de novo, arrastando consigo a probabilidade de as taxas de intervenção do BCE aumentarem mais cedo do que o inicialmente previsto. Ora se taxas de juro da dívida pública portuguesa já são o que são quando a taxa do BCE é 1%, imagine-se o que virá a seguir…

Finalmente, há que ter em consideração o calendário de amortização da dívida da República. Pela frente, temos uma importante amortização de 3.8 mil milhões em BTs (18 de Março). Para fazer face a essa amortização, o IGCP vai fazer uma emissão de 1.0 milhões no dia 2 de Março e poderá leiloar até 1.25 mil milhões no dia 16 de Março. Tendo em conta que terão sobrado 0.8 mil milhões das intervenções de Janeiro, convenhamos que a corda aparenta estar um pouco esticada. Ao abdicar da venda de OTs na semana passada, o IGCP atirou para 10 de Março ou para 24 de Março o leilão que resta para completar o seu plano trimestral. Haverá alguma novidade até lá que justifique o adiamento?

Nos últimos dois anos, o Governo parece ter feito tudo o que estava ao seu alcance para se candidatar a uma prova impossível, que poderemos comparar a uma corrida de 42 km obstáculos: isto é, uma prova que todos adivinham não chegar ao fim, mas que ninguém sabe ao certo quando acaba. Ao que parece, o Governo começou finalmente a saltar melhor, mas os obstáculos também se tornaram mais altos. Eventualmente, o Governo acredita que se continuar a saltar alto, os obstáculos se tornarão mais baixos. Mas a recente reacção dos mercados à execução de Janeiro sugere que não é para aí que o sentimento está virado. Pelo contrário, parece que os obstáculos vão continuar a crescer, alimentando a convicção de que um dia destes o Governo tropeça e cai.


Professor da Universidade de Aveiro
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