Opinião
Relógios para homem
Que carro magnífico neste anúncio! E neste? Que avião! Prefiro o violino Stradivarius neste aqui... Ora, ora, mais vale aproveitar o tempo fazendo ski por entre icebergues, como neste.. São assim os anúncios de relógios para homem rico.
Que carro magnífico neste anúncio! E neste? Que avião! Prefiro o violino Stradivarius neste aqui... Ora, ora, mais vale aproveitar o tempo fazendo ski por entre icebergues, como neste.. São assim os anúncios de relógios para homem rico.
Muitos deles são muito bonitos. São como lentes de aumentar, mostrando cinco, 10 ou 20 vezes maiores os mostradores e as correntes destas máquinas do tempo. Eu olho na revista Cronos para os anúncios dos relógios Louis Vuitton ou Rolex, com os aparelhos sozinhos em espaços vazios, ocupando os mostradores círculos entre 12 e 19 centímetros e fico maravilhado com o Belo.
Apetece agradecer aos fabricantes e publicitários por me dar tanta beleza sem ter de ir ao museu - e sem ter dinheiro para comprar estes relógios.
Outros anúncios preferem sacrificar a função de lupa para venderem estilos de vida em simultâneo. Todos sabemos que um relógio espelha uma personalidade, uma conta bancária, um estilo de vida. Daí que nos anúncios de Jaeger-le-Coultre a imagem duplicada do relógio espelhado numa superfície de vidro mostre, no lugar do mostrador, o seu futuro dono fazendo ski aquático por entre icebergues.
É um homem de coragem, ao carpe diem junta a novidade do carpe mortem! Mas não é o único. O dono do relógio Zenith, por exemplo, acaba de sair do seu avião monolugar algures numa pista secundária com ar determinado. Não é caso para menos: ele vive a vida com a filosofia do super-homem de Friedrich Nietzsche, que fornece uma citação em grandes letras inscritas sobre o nosso herói: "O que não me destrói torna-me mais forte." O anúncio de tal forma acentua que este dono dum exemplar da "alta relojoaria sport-chic" é um super-herói desafiando a morte que na tradução de Nietzsche até põe "Forte" com um F maiúsculo. Ah!, e o texto não se esquece de falar no "estilo de vida", neste caso "dinâmico".
A Breitling fez linha e anúncios a meias com a Bentley, dividindo-se as duas páginas entre o carro e o relógio. Gosto das variantes filosófico-chiques das velhas frases "tempo é dinheiro" e "carpe diem", aqui transformadas em "O maior luxo na vida é o tempo. Saboreie cada segundo". Mas deixemos o Bentley, porque este ano a aviação é que está a dar. Além do aviador nietzschiano da Zenith, há mais comparações de maquinarias sofisticadas de relojoeiro e de mecânico dos ares.
A Breitling não se quis ficar pelos automóveis e noutro anúncio divide o espaço por três fotos, duas com aviões e a terceira com o seu cronógrafo. Os monolugares são uns quaisquer, mas o anúncio sugere numa legenda que servem para experiências-limite nas "ilimitadas provas aéreas em Reno, Nevada".
Cá está de novo o rico super-homem nietzschiano! Também o anúncio do relógio Hamilton reserva mais espaço ao avião do que ao relógio. Segue a ideia de espelhar um no outro, mas de forma enviesada, pois o diâmetro do relógio é idêntico no anúncio ao diâmetro do motor do avião. Não há dúvida: à medida que mais gente enriquece para poder ter bons carros e barcos o que por ora distingue os ricos é a conquista dos céus.
Ou então... para ricos intelectuais, caretas, apreciadores de velharias como a música clássica ou um mostrador de relógio branco e limpo, há sempre um Girard-Perregaux. O anúncio, todo branco como o mostrador, é tripartido como o do Bretling aviador. Em cima uma fatia dum toro de árvore, redonda como o relógio em baixo.
Entre ambos, um violino de Antonio Stradivari, velho, valioso e com a mesma qualidade de 1720. A mensagem escrita só tem um palavra, inesperada, maravilhosa: "Wait.". Espere. Qual Nietzsche, qual carpe diem! Aqui a arte do tempo não está em saber gastá-lo depressa, mas em saber vivê-lo devagar. Espere 50 anos e verá: este relógio é um clássico.