Opinião
Quer um telemóvel grande e pesadinho?
Por muita volta que se dê, em Portugal continua a prevalecer o principio das pequenas explorações. Esta é lógica seguida na agricultura, desde sempre, mas o mais curioso é que também em sectores ditos mais desenvolvidos, como as telecomunicações, segue-se
Por muita volta que se dê, em Portugal continua a prevalecer o principio das pequenas explorações. Esta é lógica seguida na agricultura, desde sempre, mas o mais curioso é que também em sectores ditos mais desenvolvidos, como as telecomunicações, segue-se a mesma prática.
Não acredita?! Então repare como o país está cheio de redes. Três redes de operadores móveis, uma rede de cobre, várias rede cabo (apesar de apenas uma ter dimensão considerável), duas redes de distribuição de sinal de televisão, dezenas de emissores de sinal de rádio e mais algumas redes públicas e privadas de tudo e mais alguma coisa.
Faz sentido gastar milhões em hardware (no caso em redes) quando a competitividade se consegue através do software (aplicações)? Não, pois não?!
1. A lógica de mais um buraco na estrada
Onde quer que viva, na cidade ou num meio rural, no litoral ou no interior a situação repete-se. A Câmara Municipal faz uma estrada e logo aparece uma empresa que faz o favor de estragar o pavimento e os passeios anexos para "passar cabo". Até fazem o favor de colocar uns cartazes a dizer que "pedimos desculpa pelo incómodo e prometemos ser breves" mas a verdade é que durante uns dias lá se colocam mais uns metros de cabo, debaixo do chão, propriedade de mais uma empresa. Semanas depois outra empresa, mais um cartaz e mais uns metros de cabo.
Esta lógica de má utilização dos recursos (fibra ou cabo, chão municipal, mão-de-obra, entre outros) tem grande parte da sua origem nas empresas de telecomunicações. Repare como é ineficiente, existindo em Portugal três operadores de telecomunicações móveis, terem sido construídas exactamente três redes diferentes de distribuição de sinal. Todas estas empresas tiveram de comprar equipamentos, negociar a colocação das antenas e a respectiva manutenção.
Para quê? Não seria mais interessante do ponto de vista económico as empresas chegarem a um acordo sobre a partilha de uma única rede? Se é exactamente através dos conteúdos e da gestão que se diferenciam as empresas, porque todas ambicionam ter uma rede própria? Verdade seja dita que neste caso dos operadores móveis, duas das três empresas até chegaram a ponderar avançar com uma estrutura partilhada. Mas as boas intenções ficaram no papel.
Pense-se noutro exemplo. O da rede de cobre. Porque é que o legislador quando avançou com o quadro legal que permitiu a liberalização do sector aos novos operadores não colocou a rede cobre no mercado, propriedade de uma entidade autónoma, de modo a estimular os investimentos mais produtivos: ou seja em software, no desenvolvimento de aplicações, de sistemas, de novas soluções. Não se entende pois não? E pior! Porque é que neste momento em que está a decorrer uma Oferta Pública de Aquisição sobre a accionista deste activo (rede cobre) ainda ninguém tenha proposto esta opção?
A rede cobre, que implicou investimentos de grande dimensão nas últimas décadas, é hoje um activo demasiado caro para poder ser rentabilizado por uma única empresa. Uma infra-estrutura que cada dia que passa apresenta menor potencial de desenvolvimento. Os proveitos do serviço fixo telefónico apresentaram um decréscimo de 4% em 2004, que até compara favoravelmente com o decréscimo de 8,4% verificado em 2003, reflectindo os efeitos decorrentes da redução dos tarifários. Mas esta rede obriga a mais investimentos.
A Portugal Telecom já revelou que a manter-se o ritmo de investimento na rede fixa, como é expectável que aconteça tendo em conta os novos serviços que poderão ser disponibilizados, deverá investir mais de 700 milhões no negócio fixo nos próximos três anos. Só desde 2003 só em infra-estruturas a rede cobre já consumiu mais de 460 milhões de euros. Faz sentido que se mantenha o actual quadro de propriedade da rede?
2. De boas ideias... está o sector cheio!
Esta ideia de partilhar redes não é nova. Diga-se em abono da verdade que até já foi tentada. Se recuarmos até à abertura aos privados do serviço de televisão verificamos que, por uma vez neste país, houve quem pensasse em maximizar os investimentos. Nesses tempos o legislador retirou à RTP a rede que na altura distribuía o sinal da única televisão existente (RTP1 e RTP2) e integrou essa infra-estrutura (salvo erro em 1992) na TDP – Teledifusão de Portugal (grupo Portugal Telecom). O objectivo era transformar esta empresa no único prestador de serviços deste tipo.
Todavia e enquanto a RTP manteve o contrato e a SIC viu nesta solução um caminho para reduzir os custos de entrada no mercado (não tendo de investir numa rede própria e portanto assumindo apenas os custos variáveis do aluguer da rede), a TVI optou por construir uma rede própria, a RETI. Entretanto esta opção acabou por revelar-se um desastre do ponto de vista financeiro, esgotando grande parte da tesouraria que tanta falta fazia à programação e informação.
Hoje percebe-se com clareza que Portugal simplesmente não precisava de mais esta rede de distribuição de sinal de televisão, e que teria sido muito mais interessante (sobretudo para a própria TVI de então) avançar para a contratação da rede existente, investindo o dinheiro na grelha de programação.
É portanto este o panorama do país. Ao nível das telecomunicações o país está pilhado de redes diferentes e concorrentes entre si que não acrescentam nenhum valor. E ao mesmo tempo falta o dinheiro para investir no essencial: aplicações, programas, informação, software.
3. E eis que a televisão... se digitaliza
Para além desta oportunidade de ouro de mexer na configuração das redes, que é a OPA lançada sobre as acções da Portugal Telecom, uma outra espreita já à esquina: a televisão digital terrestre. Não há outra opção senão avançar no sentido da digitalização e alerte-se para o acto de neste campo Portugal estar já muito atrasado.
Todavia esse atraso pode ser utilizado como uma vantagem. É que é hoje evidente que os países que avançaram para a partilha de redes libertaram mais dinheiro para que a cobertura do território fosse mais rápida mas também que os serviços prestados fossem mais evoluídos e com custos menores para o consumidor final.
Pode muito bem o legislador impulsionar uma solução que permita que esta nova infra-estrutura, que terá de ser construída, seja utilizada não só pelos actuais operadores de televisão (com os actuais e futuros canais), empresas de telecomunicações, mas também estações de rádio e empresas de comércio electrónico.
Vantagens? Claras. Mais uma vez se poupa o país das imensas torres e antenas, mas sobretudo liberta-se dinheiro para criar pólos de desenvolvimento tecnológico. Isso sim seria um verdadeiro choque tecnológico. Ou como diria Nicolas Poussin, "o que vale a pena ser feito vale a pena ser bem feito".